A explosão de uma bomba no ginásio da Universidade pública de Mindanao, na cidade de Marawi, nas Filipinas, onde decorria uma missa, causou neste domingo pelo menos 4 mortos e mais de 40 feridos. O ataque que, entretanto, foi já reivindicado pelo Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico, lançou o medo entre a comunidade cristã local. A cidade já foi palco de um brutal ataque e ocupação por militantes jihadistas durante aproximadamente cinco meses em 2017.
Uma bomba explodiu no ginásio da Universidade pública de Mindanao, na cidade de Marawi, onde estava a decorrer na manhã deste domingo, 3 de Dezembro, uma celebração religiosa, a primeira missa do Advento. Pelo menos quatro pessoas perderam a vida e há ainda mais de quatro dezenas de feridos.
O atentado, reivindicado pouco depois pelo grupo jihadista Estado Islâmico, lançou o medo entre a comunidade cristã local que guarda memória dos meses terríveis, em 2017, em que a cidade se transformou num verdadeiro campo de batalha depois de ter sido ocupada violentamente por militantes extremistas.
Ainda na manhã de domingo, durante a oração do Angelus, o Papa Francisco manifestava já a sua proximidade para com as vítimas deste atentado assim como para com a população local que tanto tem sofrido com a violência terrorista. “Desejo assegurar a minha oração pelas vítimas do atentado ocorrido esta manhã nas Filipinas, onde uma bomba explodiu durante a missa. Estou próximo das famílias e do povo de Mindanao, que já sofreu tanto”, disse o Santo Padre.
“OS CRISTÃOS FORAM O ALVO”
O atentado deixou um rasto de inquietação na comunidade cristã local. Ao telefone, desde as Filipinas, o padre Sebastiano D’Ambra expressou à Fundação AIS Internacional a sua consternação por este ataque terrorista na Universidade. O missionário do Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras (PIME) não tem dúvidas em afirmar que se tratou de um ataque com um alvo bem determinado: os cristãos.
“Temos de esperar por mais informações sobre os autores do ataque e os seus motivos, mas não há dúvida de que os cristãos foram o alvo”, disse o missionário italiano à fundação pontifícia.
O que aconteceu em Marawi é alarmante. A universidade atrai cristãos de diferentes partes de Mindanau para a cidade. Há o perigo de o ataque provocar o êxodo da minoria católica. Muitas famílias já pediram aos seus filhos que regressassem à sua terra natal por causa do medo que os cristãos estão a sentir”
Padre Sebastiano D'Ambra
A escolha do local para a detonação da bomba também não foi ao acaso. Para o padre Sebastiano D’Ambra, houve uma clara intenção de atingir um grande número de pessoas. A universidade, explicou ainda o sacerdote à Fundação AIS, “tem uma capelania com um espaço para a missa diária”.
“Aos domingos, celebram no ginásio, porque a capela não é suficientemente grande. Não sei quantas pessoas estiveram lá, mas é frequente haver entre 300 e 400 católicos aos domingos. Sendo este o primeiro domingo do Advento, tenho a certeza de que estavam presentes muitos fiéis.”
BISPOS APELAM À ORAÇÃO
Numa primeira reacção ao atentado bombista, os bispos das Filipinas disseram também que se tratou de um acto deliberado e manifestaram a sua preocupação, apelando às orações por todas as vítimas.
“Rezamos pelo repouso eterno dos que morreram e pela cura dos que ficaram feridos. Unimo-nos espiritualmente às suas famílias e tiramos força e consolação da nossa fé em Cristo, que ‘restaurará todas as coisas em si mesmo, fazendo a paz pelo sangue da sua cruz…’ (Col. 1:20)”.
O atentado, que atingiu a comunidade católica, foi condenado também, e com a maior veemência, por Ferdinand Marcos Jr., o presidente das Filipinas, que o classificou como um acto “insensato” e “atroz”. Apesar de não ter feito nenhuma referência quer à nacionalidade quer à filiação dos terroristas, o presidente filipino assegurou, na mensagem publicada na rede social X, o antigo Twitter, que os autores “deste impiedoso acto” serão levados à justiça.
“Os extremistas que exercem violência contra os inocentes serão sempre considerados inimigos da nossa sociedade. Apresento as minhas mais sinceras condolências às vítimas”, escreveu. Também os responsáveis da Universidade se manifestaram em choque pelo atentado.
UMA MINORIA CRISTÃ EM MINDANAO
Apesar de cerca de 80 por cento dos filipinos serem católicos, na Ilha de Mindanao, onde se situa a cidade de Marawi, há uma esmagadora maioria de muçulmanos, quase 98%, sendo que os cristãos são apenas 2%. Esta realidade muito específica ajuda a compreender o sentimento de medo que se sente agora na população cristã, até porque na região actuam diversos grupos armados radicais quase todos com ligações ao Estado Islâmico, como é o caso do Abu Sayyaf ou do Dawlah Islamiyah.
Com quase 40 anos de experiência nas Filipinas, o Padre D’Ambra é o fundador do movimento Silsilah, que promove desde 1984 o diálogo inter-religioso e a coexistência entre católicos e muçulmanos. A Fundação AIS é parceira deste projeto desde o seu início.
“Episódios como este em Marawi só pioram uma situação já complicada e tornam mais difícil a promoção do diálogo inter-religioso. São novos desafios e tornam o nosso trabalho, que está a chegar aos 40 anos, tão importante agora como era no início”, reconhece o padre D’Ambra.
Episódios como este em Marawi só pioram uma situação já complicada e tornam mais difícil a promoção do diálogo inter-religioso. São novos desafios e tornam o nosso trabalho, que está a chegar aos 40 anos, tão importante agora como era no início”
Padre Sebastiano D'Ambra
O ATAQUE A MARAWI EM 2017
De facto, esta não é a primeira vez que a cidade de Marawi é palco de ataques por parte de grupos extremistas. Na memória de todos está o confronto sangrento que ocorreu em 2017, depois de grupos fundamentalistas ligados ao Estado Islâmico – que agora reivindicou o atentado na Universidade – terem conquistado pela força das armas parte da cidade a 23 de Maio.
A luta que se travou, durante aproximadamente cinco meses, com o exército filipino a procurar desalojar os terroristas, provocou um autêntico banho de sangue com cerca de 1.200 mortos, entre jihadistas, soldados e civis. Calcula-se que cerca de 40 por cento da cidade ficou destruída e que 98 por cento da sua população teve de a abandonar na altura. Na ocasião, tal como agora no atentado na Universidade, a comunidade cristã foi um dos alvos principais dos militantes jihadistas.
Um dos episódios mais marcantes do ataque a Marawi ocorreu quando um grupo de homens fortemente armados invadiu a Catedral, no que seria o primeiro grande sinal da ocupação da cidade. Para a história ficará esse assalto, incêndio e destruição da Igreja, assim como o sequestro de alguns membros da comunidade cristã. Um deles foi o padre Teresito Soganub, conhecido como “Chito”, e que esteve em cativeiro durante 116 dias.
Este sacerdote, que viria a falecer de paragem cardíaca a 22 de Julho de 2020, aos 59 anos de idade, confessaria mais tarde, em entrevista à Fundação AIS, que durante o tempo de sequestro rezou muito embora, às vezes, não tenha conseguido esconder a sua revolta.
“Foram também 116 dias de lamentação, de oração de lamentação a Deus. Eu não perdi a fé, mas lamentei-me: ‘Porquê eu? Eu sei que estás aqui. Porque permites que isto aconteça? Mesmo sendo um pecador, eu não mereço isto.’”, recordou o padre Teresido à Fundação AIS.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt