O terrorismo afecta cada vez mais o Burquina Fasso, no entanto, apesar disso e de os padres e os catequistas serem dos principais alvos dos militantes jihadistas, o país tem assistido a um crescimento de vocações sacerdotais nos últimos anos. Apoiar a formação dos futuros sacerdotes é uma das prioridades da Fundação AIS.
O Natal foi e é sempre, para a maioria das pessoas, um tempo de reunião familiar. No entanto, para muitos seminaristas do Burquina Fasso, desta vez isso não foi possível. No final do ano passado, devido à grave crise de segurança causada pelo terrorismo, alguns seminaristas tiveram mesmo de abdicar da consoada e das férias de Natal em família.
Foi isso que aconteceu, este ano, com alguns dos jovens que estudam e se preparam para o sacerdócio no seminário de São Pedro e São Paulo de Kossoghin, em Ouagadougou. O Padre Guy Moukassa Sanon, reitor do seminário, contou à Fundação AIS que para muitos destes jovens ir a casa naquela altura do ano significaria mesmo arriscar a vida. Por isso, foram acolhidos em centros diocesanos ou famílias de acolhimento ou convidados por outros seminaristas a passar as férias com as suas famílias em regiões mais seguras.
Cerca de 40% dos jovens deste seminário inter-diocesano de filosofia provêm de dioceses da chamada “zona vermelha”, mais afectada pelo terrorismo. No entanto, apesar de todas as dificuldades, o número de seminaristas no país continua a crescer. No caso em concreto do seminário de São Pedro e São Paulo, o número de estudantes aumentou de 254, no ano lectivo de 2019-2020, quando o terrorismo começou a afectar a Igreja no país, para 281 no ano passado.
Antes do agravamento das condições de segurança, alguns dos jovens arriscavam juntar-se às suas famílias. E já houve mesmo situações trágicas. Foi o caso de Marius, um estudante de filosofia do terceiro ano. Em 2022, quando ia visitar o pai, que vive numa aldeia isolada numa região sob controlo terrorista, foi raptado. O seu corpo nunca foi encontrado, mas a família está convencida de que foi mesmo assassinado.
“Alguns seminaristas escaparam por pouco”, conta o reitor. “Um deles, por exemplo, foi passar as férias a casa da família. Enquanto estava fora de casa, os terroristas chegaram. O alvo era o seu pai, catequista, que felizmente estava ausente. Mas os terroristas, que estavam bem informados, quiseram raptar o filho, seminarista. Mas ele, ao ouvir as suas ameaças, saltou um muro e fugiu para o campo, a coberto da noite. Embora os terroristas o tenham perseguido, não o conseguiram encontrar. Escondeu-se durante um dia inteiro, esperando que o perigo passasse para então regressar a casa.”
O TESTEMUNHO DO PADRE SAWADOGO
O que o Padre Guy Sanon descreve é uma realidade comum a praticamente todas as dioceses do Burquina Fasso. A ameaça jihadista é muito forte, faz-se sentir no dia-a-dia das pessoas em larguíssimas áreas do país e isso reflecte-se profundamente na vida da Igreja.
Em Novembro do ano passado, esteve em Portugal um sacerdote do Burquina Fasso para a apresentação no nosso país do relatório da Fundação AIS sobre a perseguição aos cristãos no mundo. Na ocasião, o Padre Jacques Sawadogo descreveu como o terrorismo tem vindo a crescer de ano para ano, atingindo violentamente muitas comunidades religiosas, forçando mesmo algumas a terem de encerrar por questões de segurança.
“Por exemplo, na minha diocese temos cerca de três ou quatro paróquias que foram encerradas devido a esta perseguição. Quando os terroristas chegam, o que fazem? Primeiro, pedem a toda a gente, especialmente às mulheres, que usem um véu, para esconder o rosto, e aos homens que mantenham a barba e cortem as calças. Em segundo lugar, pedem a toda a gente que viva a vida de um Islão forte, e àqueles que não o desejem fazer dão 24 horas, 42 horas ou 72 horas para abandonarem o local. Se não o fizerem serão mortos e as suas casas queimadas. No caso das igrejas, isso é sistemático. Quando eles chegam, os Cristãos já não podem reunir-se para rezar.”
O Padre Jacques Sawadogo sublinhou ainda que a ameaça terrorista faz-se sentir já em mais de metade das dioceses no Burquina Fasso. “O Burquina Faso tem 13 dioceses, mais de metade das quais estão a ser perseguidas e mais de sete estão a ter problemas com o terrorismo. O que significa isto? Significa que em muitas das paróquias os Cristãos são perseguidos, as igrejas foram queimadas, os padres foram mortos, os catequistas foram mortos ou raptados e os Cristãos são obrigados a abandonar os lugares, a deixar as suas aldeias, as suas casas e a ir para outro sítio.
“Mas temos de compreender que esta perseguição é feita pelos extremistas. Não são todos os Muçulmanos que são terroristas. É muito importante dizer isto, porque muitos dos que sofrem com o terrorismo também são muçulmanos. Estes terroristas, quando chegam, querem que as pessoas vivam a sua própria forma de ver a fé, o que significa que mesmo os muçulmanos que querem praticar a sua fé de uma forma normal são vistos como descrentes e, por isso, também são mortos, e é por isso que na Bélgica também houve mesquitas que foram queimadas e muçulmanos que foram mortos”, explicou o padre Sawadogo em Lisboa, durante a apresentação, em Novembro, do relatório “Perseguidos e esquecidos?”, da Fundação AIS.
OS DESAFIOS DA FORMAÇÃO RELIGIOSA
Mas esta realidade de violência e opressão terrorista não se tem traduzido em menos vocações religiosas. Pelo contrário. O Padre Guy Sanon, reitor do seminário de São Pedro e São Paulo de Kossoghin, em Ouagadougou, explica que o facto de tantos jovens quererem seguir o sacerdócio, apesar desta crise de segurança, deve-se ao bom trabalho vocacional que a Igreja está a desenvolver, mas também às pessoas “que testemunham o amor de Cristo de uma forma evidente” na vida quotidiana.
Como a secularização ainda não está tão presente no Burquina Fasso como na Europa, o Padre Sanon explica que o despertar de uma vocação é mais fácil “do que num contexto materialista em que não se espera nada de Deus”. O reitor explica que o número de seminaristas em Ouagadougou é tão grande que nem sequer há espaço suficiente para todos.
“Transformámos as salas comunitárias em pequenas unidades separadas por divisórias para os acolher. No entanto, as condições estão longe de ser as ideais para os estudos, e mesmo isso não foi suficiente para poder receber todos os estudantes, pelo que tivemos de acolher 22 seminaristas no exterior e enviar outros 11 para um seminário no Mali”, explica o responsável.
O reitor sublinha a importância de uma boa formação dos futuros sacerdotes para a credibilidade da Igreja no país e em África. “É crucial que os futuros padres possam dar um testemunho autêntico da sua fé, que tenham realmente podido encontrar Cristo pessoalmente, que o Evangelho seja o seu alimento e a sua paixão”, diz à Fundação AIS.
Outro grande desafio na formação dos futuros sacerdotes reside nas preocupações sociais relacionadas com a coexistência de diferentes religiões, exacerbadas pela situação de segurança no Burquina Fasso: “Há diferentes grupos terroristas no Burquina Fasso. Alguns deles matam pessoas sem distinção, sejam elas muçulmanas ou cristãs. Outros, pelo contrário, que pretendem impor a ‘sharia’, visam diretamente os cristãos. Antes do terrorismo, a coexistência entre muçulmanos e cristãos não era um problema, mesmo nas nossas famílias, que muitas vezes são constituídas por pessoas de várias religiões. Muitos seminaristas têm pais muçulmanos e, embora isso possa ter causado alguma desilusão no início, acabou por não ser um problema. No entanto, actualmente, se não tivermos cuidado, a coesão social pode vir a estar ameaçada. É por isso que é crucial formar futuros padres que promovam a comunhão, porque a Igreja, ao serviço da sociedade, deve trabalhar para a unidade”.
IMPORTÂNCIA DO APOIO DA FUNDAÇÃO AIS
Uma vez que as dioceses do Burquina Fasso não conseguem frequentemente mobilizar os recursos financeiros necessários para uma formação de qualidade no seminário, a Fundação AIS apoia a Igreja Católica nesta importante tarefa. “Quero exprimir a minha profunda gratidão à AIS e a todos os seus generosos benfeitores que dão o seu sacrifício para que possamos formar os futuros sacerdotes do Burquina Fasso”, diz o Padre Sanon. “Alguns dos nossos seminaristas encontram-se numa situação precária; não recebem qualquer ajuda das suas famílias, porque estas estão numa situação deplorável: deslocadas ou impedidas pelos terroristas de realizar as suas colheitas, o trabalho dos campos. Graças ao apoio da Fundação AIS, podemos financiar a sua formação e a dos seus professores.”
E acrescenta: “Muitas vezes, só podemos apreciar as coisas que perdemos. Aqui, se perguntarmos a alguém o que é que ele quer, ele responde: paz. Que a graça do Menino Jesus chegue a todos os nossos corações. Rezo também pela paz de todos os nossos benfeitores: uma paz que só o Menino Jesus pode trazer, uma paz profunda que o mundo não pode dar.”
Em 2024, a AIS apoiou seis dioceses do Burquina Fasso na formação de seminaristas. A fundação também ajudou os formadores do seminário inter-diocesano de Kossoghin de São Pedro e São Paulo (na Arquidiocese de Ouagadougou) e do seminário preparatório de Santo Ireneu em Toésê (na Arquidiocese de Koupéla) através de estipêndios de Missa. A campanha de Natal da AIS do ano passado foi dedicada aos cristãos perseguidos no Burquina Fasso.
Sina Hartert e Paulo Aido
Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt