A Irmã Maria do Céu Costa, de 72 anos de idade, está em missão há um quarto de século em Angola. De passagem por Portugal, a religiosa denuncia à Fundação AIS a situação de profunda crise em que se encontra o país africano. “Há muita fome”, pessoas a vasculhar comida nos contentores do lixo, crianças fora do sistema de ensino, muito analfabetismo e “muitos suicídios”. Um retrato preocupante que vem dar força às conclusões, em Setembro, do encontro plenário da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe.
“As coisas não estão muito bem em Angola, existe muita fome, e vê-se muita gente nos contentores [do lixo] a procurar coisas para comer.” As palavras são da irmã Maria do Céu Costa. É um retrato breve, mas preocupante da realidade de Angola, onde a religiosa está em missão há já um quarto de século.
De passagem por Portugal, a Irmã, que nasceu há 72 anos numa aldeia no distrito da Guarda, denuncia à Fundação AIS a sua preocupação face ao avolumar da pobreza que resulta da falta de trabalho, especialmente entre os mais jovens, mas também da corrupção. O desemprego em Angola ultrapassou os 32 por cento no primeiro semestre deste ano.
As palavras da Irmã sublinham as preocupações também dos Bispos angolanos que estiveram reunidos na última semana de Setembro em Assembleia Ordinária e que, no final, expressaram a urgência de se combater a fome. “Nenhuma nação pode sobreviver de barriga vazia”, disse à Comunicação Social D. Belmiro Chissengueti, Bispo de Cabinda e porta-voz da conferência episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe.
“HÁ MUITA CORRUPÇÃO…”
Habituada a ensinar, a Irmã Maria do Céu procura pesar bem as palavras. A situação que se está a viver em Angola é uma catástrofe? “Não lhe chamaria uma catástrofe, mas uma crise humanitária”, diz a Irmã, que pertence à congregação das Franciscanas Missionárias da Mãe do Divino Pastor. Uma crise humanitária que se vê nos que vasculham o lixo, mas também nas inúmeras crianças que não conseguem estudar e que vão engrossar o número dos que em Angola não sabem ler nem escrever e que, segundo os últimos dados disponíveis, representam ainda cerca de 24 por cento da população.
Há muita corrupção para se entrar nas escolas. Se queres entrar numa escola secundária, ou mesmo primária, se não consegues entrar porque não há lugar, mas se tu pagares, então encontra-se lugar na escola… Então, quando é na altura das matrículas, há muita, muita corrupção. E os familiares têm de fazer tudo por tudo para ver se o filho entra [na escola], mas muitos, muitos, milhares de crianças não estão a entrar na escola.
Irmã Maria do Céu Costa
CRIANÇAS NA ESCOLA ESTÃO SEM COMER
A Irmã Maria do Céu está no bairro de Maianga, nos arredores de Luanda, perto do aeroporto. Apesar de todas as dificuldades, a sua preocupação “é formar jovens com valores humanos e cristãos”, para se tornarem “pessoas livres, que sintam amor ao próximo, porque a vida cristã é mesmo assim, deixar de pensar em si para pensar nos outros”. Mas não é uma tarefa fácil.
Os bispos angolanos dizem que nenhum país consegue sobreviver se os seus cidadãos estiveram de barriga vazia, mas também nenhuma criança consegue estudar se estiver com fome. E essa é uma realidade que a Irmã conhece infelizmente bem demais.
“É uma pena ver os alunos que vão para a sala de aulas sem comer e depois é difícil captar a atenção… dá pena, dá pena”, relata a religiosa portuguesa, explicando que, ao longo dos últimos vinte e cinco anos de missão em Angola, as coisas têm piorado. “Quando cheguei [ao país] as coisas estavam mais ou menos, mas isto está a caminhar ainda para mais pobreza”, esclarece, lembrando que os jovens são os mais afectados pela falta de trabalho e que isso está a provocar também uma elevada taxa de suicídios. “Os jovens não têm trabalho, há muitos jovens que ficam sem trabalho e por isso, às vezes, ficam sem motivação para viver. Há muitos suicídios. E não se fala muito disso, mas nós sabemos que muita gente se suicida porque não veem futuro para a vida… nem sei o que dizer…”
“SE EU NÃO TENHO, COMO VOU AJUDAR?”
Quando se faz a radiografia de Angola a questão da pobreza parece estar na linha da frente. Há muito desemprego, mas também muita gente que trabalha com salários muito baixos que não dão para nada. O salário mínimo é de 70 mil Kwanzas, pouco mais de 78 euros. Se muitos procuram comida nos contentores do lixo, outros contentam-se com “uma refeição por dia e nada mais e vão aguentando”, diz a irmã.
O que vale é a solidariedade entre famílias. “Eles são muito solidários. Quando alguém tem um emprego, esse salário é para toda a família, porque eles ajudam-se muito uns aos outros.” A casa das irmãs é um lugar bem conhecido no bairro da Maianga. As irmãs vivem da caridade, mas, mesmo assim, é raro o dia em que não lhes batem à porta.
Normalmente são mães a pedir alimentos, alguma coisa que cale as lágrimas de fome dos filhos. “Estão sempre a tocar à porta, mas nós estamos na cidade, não temos campo, não temos nada. Se nos ajudam, nós também ajudamos, mas é constantemente um bater à porta… Às vezes penso: o que é que eu faço? Se eu não tenho o que é que eu vou fazer? Porque nós, as religiosas, vivemos também da ajuda dos outros. Algumas pessoas realmente solidarizam-se connosco e dão-nos um pouquinho de feijão, de fuba… e nós repartimos, mas nós também temos meninas em casa que estamos a ajudar. Temos nove meninas, nove jovens que também comem, não é? Então, nós quando temos alguma coisa, repartimos, mas às vezes também não temos nada…”
“IRMÃ, GOSTAVA DE SABER LER A BÍBLIA…”
O trabalho da Irmã é visível em várias comunidades que se espraiam nos arredores de perder de vista da cidade de Luanda, que se confundem, na maior parte das vezes, com um imenso musseque. É nos bairros do Destaque, Buraco, Palmeirinhas, Kwanza ou Lombo, por exemplo, que as Franciscana Missionárias da Mãe do Divino Pastor vão estendendo as suas teias de amor, de solidariedade e ternura. Elas ensinam a ler e escrever, o que pode significar uma mudança total na vida de todas estas pessoas.
“Eu estou a animar cristãmente algumas comunidades de fora de Luanda, dos arredores de Luanda. Nessas comunidades, a maioria das pessoas não sabe ler, não sabe escrever, mas querem estudar a Bíblia e dizem: ‘irmã: gostava tanto de saber ler para ler a Bíblia, mas nunca me ensinaram… tinha tanta vontade…’ Eu estou a trabalhar na animação Bíblica, preciso de muitas Bíblias, preciso de dinheiro para comprar papel porque eu imprimo brochuras para ajudar as pessoas, mas preciso de papel para imprimir. Preciso de papel, tinta, essas coisas…”
“O CRISTIANISMO FAZ MUITA FALTA”
Num país potencialmente muito rico, onde abunda o petróleo, as minas de ouro e prata ou diamantes, é escandaloso falar de tanta pobreza, de tanta fome, de tantas pessoas de mãos vazias. A Irmã Maria do Céu procura ajudar.
Há 25 anos que o faz neste país africano de língua oficial portuguesa. A sua luta principal é no combate ao analfabetismo, que é, talvez, a primeira ferramenta para que as pessoas possam sair também da pobreza. E para isso pede a ajuda, pede a solidariedade dos benfeitores da Fundação AIS para conseguir ensinar a ler e a escrever cada vez mais crianças, jovens e adultos.
“Precisamos muito de alfabetização. Muito, muito. Para que as pessoas se sintam também livres e seguras e com vontade de trabalhar. Precisamos muito de alfabetização, e também o cristianismo faz muita falta porque a pessoa cristã pensa nos outros, e precisamos então da Palavra de Deus, de Bíblias, precisamos de livrinhos para as crianças, para elas aprenderem a rezar, para conhecerem a Bíblia logo desde pequeninos, para que cresçam neste ambiente de amor ao próximo”, afirma a Irmã, pedindo a solidariedade dos benfeitores da Fundação AIS para conseguir cumprir melhor a sua missão de levar Deus aos angolanos, especialmente os mais pobres e necessitados.
A Fundação AIS presta auxílio há décadas a Angola, através, por exemplo, da renovação ou construção de centros comunitários, onde muitas vezes são implantadas escolas, que se tornam verdadeiras células para a primeira evangelização, mas também apoiando a formação de sacerdotes, ajuda na subsistência de padres e irmãs, na distribuição de Bíblias e na formação de leigos.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt