SEMENTES DE ESPERANÇA
Sementes de Esperança: Julho-Agosto de 2021
MIANMAR
DEPOIS DO RUÍDO E DA FÚRIA
Superfície
676.577 km2
População
54.808.276
Religião
Budistas: 76,2%
Religiões tradicionais: 8,2%
Cristãos: 8%
Muçulmanos: 3,6%
Hindus: 1,6%
Confucionistas: 1,4%
Outras: 1%
SEMENTES DE ESPERANÇA
Desde a independência em 1948, a Birmânia – renomeada Mianmar – não voltou a conhecer a paz. Os últimos tempos revelam que há ainda um longo caminho a percorrer até que a democracia seja uma realidade. Os militares tomaram o poder a 1 de Fevereiro, depois de eleições que reconduziram o partido de Aung San Suu Kyi ao poder. Desde então, o caos instalou-se, com manifestações de protesto e uma resposta muito violenta por parte das autoridades. O balanço é trágico….
Desde que os militares tomaram conta do poder que se contabilizam já cerca de 850 mortos, quase 6 mil detidos, e milhares de pessoas em fuga. A situação é descrita como caótica. Thomas Heine-Geldern, presidente executivo internacional da Fundação AIS já veio afirmar a importância da presença da Igreja junto destas populações aflitas e a necessidade de se apoiar o trabalho dos sacerdotes e das irmãs que têm procurado aliviar o seu sofrimento. “A Igreja está a demonstrar, tanto pelos seus apelos como ainda mais pelo seu trabalho, que como minoria neste país fará tudo o que for possível para promover a paz e o desenvolvimento da nação”, disse Heine-Geldern, sublinhando o esforço da Fundação AIS na ajuda aos padres e religiosas, mas também aos catequistas que têm procurado auxiliar as famílias mais carenciadas de Mianmar. A violência dos militares tem gerado um coro de críticas a nível internacional, havendo casos em que os soldados têm atacado até dentro de igrejas em regiões predominantemente cristãs como em Kayantharyar. Nesta localidade, a 23 de Maio, os militares bombardearam uma igreja onde se encontravam refugiadas largas dezenas de pessoas, provocando quatro mortos e vários feridos. Este não foi, porém caso isolado. Ainda em Maio, os militares atacaram a igreja de São José, em Demoso, e a Igreja do Sagrado Coração, em Kayantharyar, perto de Loikaw. Em reacção ao ataque à Igreja em Kayantharyar, o Cardeal Charles Maung Bo, denunciou de imediato o que considerou ser uma “tragédia humanitária”, relatando que no seguimento da acção dos militares, muitos populares fugiram para a selva correndo o risco de “morrer à fome”. Num comunicado enviado então para a Fundação AIS, o prelado referia-se à intervenção dos militares como um abuso, tanto mais que os edifícios da Igreja assim como hospitais ou escolas deviam estar protegidos pelo direito internacional. Falando em nome da Conferência Episcopal, o Cardeal Charles Bo lembrou, na mensagem que fez chegar à Fundação AIS, que “o sangue derramado não é sangue de inimigos”, e que as pessoas que morreram, assim como os feridos “são cidadãos do país”.
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RESISTÊNCIA AOS MILITARES
Mianmar confunde-se com Aung San Suu Kyi. O seu partido venceu folgadamente as últimas eleições e foi afastado do poder pelo Golpe de Estado dos Militares, no dia 1 de Fevereiro. Ela própria, que foi colocada em prisão domiciliária, já se sentou no banco dos réus, acusada de crimes como a incitação à desordem pública e violação da lei de segredo de Estado. Mas nada disso lhe tira o prestígio que granjeou junto do seu povo.
Os Birmaneses chamam-lhe “a Dama”. Ela encarnou, desde sempre, a resistência à junta militar. Para além das fronteiras da Birmânia, nos bares onde se encontravam os opositores políticos em fuga, turistas e jornalistas, era de bom tom pendurar o retrato de Aung San Suu Kri ao lado de Nelson Mandela, Lech Walesa e Sitting Bull. Nas eleições de Novembro de 2020, o seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (LND) aumentou a distância em desfavor dos sucessores da junta militar. Começou aí, provavelmente, a razão que iria levar os militares a protagonizarem o Golpe de Estado.
A fina silhueta desta mulher de sorriso enigmático apareceu nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo mas, fora do seu país, junta-se-lhe, no entanto, uma sombra. Porque desde 2017, Mianmar está associado à terrível repressão de que são vítimas as populações Rohingya, essencialmente muçulmanas, na parte ocidental do país. No seguimento dos abusos exercidos pelos nacionalistas birmaneses, maioritariamente budistas, apoiados pelo exército do país, centenas de milhares de rohingya tiveram de fugir e milhares foram massacrados.
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UM ÍCONE RACHADO
Assim, a Dama, laureada com o prémio Nobel da Paz, não se manifesta sobre esta questão. Quando se espera uma denúncia firme e clara destes crimes, ela cala-se. Perante o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, afirmou a 11 de Dezembro de 2019 que a apresentação da situação em tribunal estava incompleta, era enganadora e parecia defender a política do seu país.
A sua popularidade no seu país não foi afectada por este silêncio. Tudo se passa como se a questão dos Rohingya, conhecida no mundo inteiro, desaparecesse uma vez cruzadas as fronteiras de Mianmar. O Pe. Amal, jesuíta indiano que trabalha neste país há 13 anos, tem mais vontade de falar dos conflitos que continuam com alguns exércitos étnicos, como os Kachins, do que dos Rohingya. Depois de 2011, o cessar-fogo assinado entre o exército birmanês e o exército da independência do Kachin foi interrompido. Durante o confronto que se seguiu, 100 mil pessoas foram deslocadas e pelo menos 66 igrejas foram destruídas.
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Oração
Para que os Cristãos em Mianmar sejam um exemplo a seguir no respeito e boa convivência com a minoria étnica Rohingya, nós Te pedimos Senhor.
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UMA PEQUENA IGREJA QUE CRÊ
Estas tensões persistentes não impedem a pequena Igreja Católica Birmanesa de se mostrar muito activa no domínio social, de acordo com o Pe. Amal. A Igreja organiza creches, casas de repouso e centros médicos. Mas não existe oficialmente uma escola católica. Para compreender esta situação atípica, devemos recuar a 1965. Nessa altura, o general Ne Win, que estava no poder, decidiu nacionalizar todas as estruturas cristãs e expulsar os religiosos de nacionalidades estrangeiras.
Sempre optimista, o Pe. Amal comenta: “Estas medidas drásticas tiveram um efeito positivo. Levou os Birmaneses a contar com as suas próprias forças para montar a sua Igreja”. Os recenseamentos demonstram que as medidas do general não asfixiaram os Católicos birmaneses. Eram 350 mil em 1962, dos quais 120 padres e 300 religiosos. Hoje, cerca de 800 mil birmaneses dizem-se católicos e contam-se 855 padres, 1816 religiosos e 2638 catequistas, calcula o Pe. Amal. É certo que os paroquianos birmaneses precisariam de um clero mais numeroso, mas a sua evolução testemunha o dinamismo da sua comunidade.
Em Agosto de 2017, o Cardeal Bo de Yangoon ousou pedir ao Estado a restituição de cerca de 80 estabelecimentos escolares retirados em 1965. “Foram confiscados pela força das armas”, lembra. Ora, a educação representa uma questão da maior importância para o país que se abre de novo ao mundo. Nos anos 50, Mianmar era considerado o país do Sudeste Asiático que beneficiava do melhor nível escolar e hoje encontra-se longe disso. A Mademoiselle Lucrecia, birmanesa, que tem a cargo a educação junto da Conferência Episcopal Birmanesa, lembra-nos: “a dura realidade é que a nação saiu de meio século de isolamento. A educação católica, que foi florescente, tem necessidade de um renascimento planeado com realismo.”
Apesar de oficiosamente, existe um ensino católico que envolve actualmente sobretudo as classes mais baixas, mas que se dirige a alunos de todas as religiões. Uma situação “muito encorajante” de acordo com a opinião de Mademoiselle Lucrecia que espera que esta educação venha a participar na promoção do bom entendimento entre as diversas etnias que compõem o seu país. Tal como a divisão dos Católicos, estes ensinamentos dirigem-se principalmente às etnias minoritárias mal servidas pela administração birmanesa.
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Oração
Para que a Igreja Católica continue a desempenhar um papel fundamental na construção da sociedade e da nação de Mianmar, nós Te pedimos Senhor.
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CONFINAMENTO RIGOROSO
O Pe. Bruno Delorme é o quarto padre das Missões Estrangeiras de Paris (MEP) a voltar a Mianmar depois das expulsões de 1965. O padre, que se inicia em Yangoun, a capital económica, nas subtilezas da língua birmanesa, vive confinado como a maior parte dos seus novos paroquianos, devido à pandemia da Covid 19. “Mesmo no Natal, não foi possível deixar a cidade… as Missas públicas foram autorizadas, mas apenas para uma assembleia de 30 pessoas”, conta-nos. Esclarece que, neste ponto, os Cristãos não foram submetidos a um maior confinamento do que outras religiões. O Estado birmanês decidiu até suprimir a festa do Thingyan, a festa da água e do ano novo birmanês, de inspiração budista e muito popular.
No meio do caos que reina no país desde o golpe de Estado, existem marcas de hostilidade para com os Cristãos que se manifestam subtilmente. Pode ser através de obstáculos burocráticos ou uma pressão social que dificulta a reunião pública para o culto ou a obtenção de licença para a construção de igrejas. Apesar de existirem estes casos de fricção, o Pe. Bruno Delorme assegura que a visita do Papa Francisco em 2017 ficou na memória e melhorou a reputação da comunidade católica birmanesa. Que vive em boas relações com os seus novos vizinhos que descreve como pessoas “engenhosas, acolhedoras e altruístas”. Um sinal: no pior momento da crise da Covid 19, na Primavera de 2020, era publicamente conhecido que para ter uma boa refeição era necessário ter um teste positivo. As famílias ricas do país apoiaram grandemente os dispensários e hospitais, a ponto de terem financiado integral e generosamente as cantinas de todas estas instituições!
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Oração
Para que Mianmar se torne cada vez mais um exemplo de tolerância e respeito inter-religioso, nós Te pedimos Senhor.
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MOSAICO DE ETNIAS
Mianmar tem recenseadas oficialmente 135 etnias que totalizam uma centena de línguas e dialectos. Para além dos Bamar, que constituem a etnia maioritária e que residem nas planícies centrais do país, há outros grupos importantes que se repartem pelas regiões fronteiriças, muitas vezes montanhosas. Trata-se, entre outros, dos Shan, Karen, Karenni, Mon, Kachin, Chin…. É destes grupos minoritários, muitas vezes de tradição animista, que se conta o maior número de conversões ao Cristianismo.