Irmão comboniano português celebrou 50 anos de vida religiosa no passado mês de Agosto e recorda agora, para a Fundação AIS – que já apoiou a sua comunidade –, alguns dos momentos mais difíceis por que passou como missionário no Peru, onde ainda vive, no tempo em que o grupo maoista Sendero Luminoso esteve particularmente activo. Bombas explodiram perto de si, houve tiroteios, a fachada da casa onde vivia chegou a ficar crivada de balas, mas nunca lhe aconteceu mal algum, nem teve medo. “A Virgem Santíssima não permitiu que nada de mal nos acontecesse.”
António Carvalho Leal nasceu 139 dias depois do fim da II Guerra Mundial, a 18 de Janeiro de 1946, em Marinhais, na Diocese de Santarém. O seu primeiro contacto com a vida religiosa foi quase acidental, enquanto trabalhava como tipógrafo nos Salesianos, em Lisboa. Parece ter havido aí uma espécie de intuição do destino, pois mais tarde, já após ter ingressado na comunidade comboniana, muito do seu trabalho acabaria por estar ligado à produção de revistas, como a Audácia e a Além-Mar.
E entretanto, passaram já 50 anos de vida religiosa, celebrados em Lima, no Peru, a 15 de Agosto, festa da Assunção de Nossa Senhora. “Este longo caminho foi obra inteiramente de Deus”, disse aos amigos que festejaram consigo o jubileu de ouro de vida religiosa. “O que consegui realizar como irmão comboniano não é mérito meu, mas fruto da acção da graça do Senhor na minha humilde pessoa”, acrescentou.
Simples, o irmão António partilhou com a Fundação AIS alguns dos momentos da sua já longa vida de missionário, com várias décadas passadas no Peru, onde ainda reside. Já são muitos anos, mais de trinta, neste país do continente americano, onde também o Papa Leão esteve como missionário. Mas nunca se cruzaram. “Não me encontrei com o actual Papa. Ele esteve longe, no norte do Peru. Agora estou em Lima. O Peru é um país muito grande, com grandes distâncias”, explica, em mensagem enviada para Lisboa.
O trabalho da comunidade comboniana no Peru, diz o Irmão António, já foi apoiado pela Fundação AIS. “Agora não somos apoiados pela Alemanha [onde está a sede da Ajuda à Igreja que Sofre], como dantes, mas confiamos sempre na providência de Deus”, esclarece.



Arriscar a vida em missão
O comboniano português vive na casa provincial em Lima, a capital do país, e colabora com a revista Aquiluchos, mas presta também serviço na sacristia, encarrega-se da manutenção da residência e anima um grupo de oração e de devoção mariana. Aliás, toda a sua vida parece estar sempre na sombra protectora da Mãe de Deus…. Nomeadamente nos anos oitenta quando os guerrilheiros maoistas do Sendero Luminoso estiveram particularmente activos.
Tive uma experiência de evangelização na zona mais perigosa da época, em Ayacucho. Lá, o movimento guerrilheiro Sendero Luminoso actuava com muita força. Arriscava a vida. Depois, trabalhei nas pequenas aldeias da serra, nas zonas de Huánuco e Yanahuanca. Também lá estavam os guerrilheiros que mais tarde começaram a matar os missionários.”
Irmão António Carvalho Leal
De facto, nas duas décadas finais do século XX o grupo Sendero Luminoso foi responsável por uma era de absoluto terror, com ataques, atentados e raptos. Calcula-se que mais de 70 mil pessoas tenham sido assassinadas e há ainda um número desconhecido de desaparecidos.
Bombas, tiroteios, explosões…
O missionário português atravessou incólume esses anos de brasa, mas teve sorte. “Posso contar alguns acontecimentos… Quando estava em Lima, na nossa casa, os guerrilheiros lançaram uma bomba em frente à mesma… Pouco antes, eu e outro colega estávamos mesmo ao lado onde a bomba explodiu. Noutro dia, outra bomba explodiu em frente à casa dos nossos vizinhos [que eram russos]. Os vidros das janelas da nossa casa quebraram e todos os objectos caíram sobre a minha cabeça no meu escritório.”
O relato prossegue, revolvendo de memória alguns dos acontecimentos que resistiram ao tempo. “Numa outra vez, mataram um polícia à nossa porta, e chegou a haver, noutra ocasião, um tiroteio na nossa rua. A fachada da nossa casa ficou cheia de buracos de balas e estilhaços de bombas. Mas Deus sempre nos protegeu”, diz. “A Virgem Santíssima não permitiu que nada de mal nos acontecesse. Mas outros colegas nossos nas montanhas tiveram problemas mais graves”, reconhece.
Mártires do terrorismo
Tudo isto aconteceu entre os anos de 1984 e 1986. António viveu esses anos de sobressalto, mas garante que não teve medo. “Graças a Deus, não tive medo. Quando estamos com Deus, sabemos que Ele nos protege e nada nos acontece sem a Sua permissão…” Mas não foi fácil. Os guerrilheiros maoistas também atacaram a Igreja.
O Irmão António Carvalho Leal di-lo sem qualquer sombra de dúvida. “Sim, houve perseguição contra a Igreja. O Sendero Luminoso era ultracomunista. Eles mataram, calcula-se, de forma bárbara, 70 mil pessoas. Em Ayacucho, mataram padres catequistas e incendiaram igrejas. Mataram vários padres e freiras.”
Exemplo disso, dois missionários polacos e um italiano foram mortos em Agosto de 1991, e beatificados pela Igreja há 10 anos. Mais tarde, em 2021, o Papa Francisco reconheceu também o martírio da irmã peruana Maria Agostina López, assassinada por ódio à fé em Setembro de 1990…
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt







