O testemunho da perseguição aos cristãos na Nigéria pelo Padre Bernard Adukwu vai ser um dos momentos mais importantes do lançamento do Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, amanhã, dia 22, na Assembleia da República em Lisboa.
Chegou há nove anos e daqui a dois meses vai regressar à aldeia onde nasceu, na Diocese de Idah, na Nigéria, para umas breves férias. O espiritano Bernard Adukwu está feliz pelo reencontro com a família, mas não esconde o medo. “Qualquer coisa pode acontecer”, diz, dada a onda de raptos que está a varrer o país e a assustar a comunidade cristã. De facto, nos últimos tempos a Nigéria transformou-se num dos países mais perigosos de África para a comunidade cristã e muito particularmente para os sacerdotes e as religiosas. Os ataques sucedem-se e são cada vez mais frequentes os raptos de pessoas ligadas à Igreja.
A onda de violência parece imparável e ninguém consegue disfarçar o medo. E isso sente-se mesmo a cinco mil quilómetros de distância. No seminário da Torre D’Aguilha, em Carcavelos, onde vive agora, o Padre Bernard Adukwu, de 38 anos, não esconde o receio do que lhe possa vir a acontecer quando, daqui a dois meses, viajar para a Nigéria para visitar a sua família durante umas breves férias. “É um risco, mas tenho de ir. No aeroporto temos segurança, isso é claro. Depois, vou sair do aeroporto para a nossa casa provincial, na capital, Abuja. Estarei aí talvez três dias e depois vou visitar a família. Do aeroporto à casa provincial não chega a ser uma hora, é vinte e tal minutos, mas da capital para a minha aldeia leva mais de seis horas.”
Essa será a parte mais arriscada da viagem. O Padre Adukwu vai acompanhado por um amigo, mas, até por uma questão de prudência, não vai avisar ninguém. Só a família e a congregação dos espiritanos sabem que ele vai estar na Nigéria por uns tempos. Não há exagero nisto. Os raptos sucedem-se e muitos dos grupos violentos que andam a assustar a Nigéria têm como alvo precisamente os padres, as irmãs, a Igreja Católica. “Na verdade, tenho medo, mas não posso deixar de visitar a família por causa da situação do país. Não posso. Tenho medo, mas sei que Deus está sempre ao nosso lado. É um risco mesmo. Sobretudo, com os padres, com os religiosos e as religiosas. Estou contente por ir visitar a minha família e ao mesmo tempo tenho medo, porque qualquer coisa pode acontecer. Mas mesmo assim tenho de ir…”
Populares lançam grupos de vigilância
O sentimento de insegurança é tão grande que na própria aldeia do Padre Adukwu, para onde ele vai de férias, até já se formaram grupos de vigilância. São populares armados que fazem a segurança das casas, procurando assim impedir algum ataque. “Sim, na verdade, neste momento, temos um grupo de seguranças que estão a trabalhar dia e noite à volta da aldeia…” São as populações a substituírem-se ao Estado que falha num dos seus deveres fundamentais, o de garantir a tranquilidade das pessoas, dos habitantes. Os raptos tornaram-se, sublinha o padre, num negócio bem lucrativo. “Posso dizer que, neste momento, é um negócio. Uma pessoa é raptada, e depois vão pedir talvez uns 5 milhões, 6 milhões… quem tem dinheiro, paga…”
A moeda da Nigéria é a Naira. Seis milhões equivalem a cerca de dez mil euros. É o preço de uma vida neste que é o país mais populoso de África. “É bastante dinheiro”, reconhece o sacerdote que aceitou dar o seu testemunho sobre o que significa ser cristão na Nigéria no ano de 2023, em pleno século XXI.
Não é possível falar-se da Nigéria e dos ataques aos cristãos sem se referir o grupo jihadista Boko Haram, que tem aterrorizado a região norte do país, onde procura implantar um ‘califado’ regido pelo Islão mais radical e intolerante. Para o Padre Bernard Adukwu, o objectivo é maior ainda e não se confina apenas a uma zona da Nigéria. E fala na “tentação de declarar o país como um estado islâmico”.
Desde 2009, quando começaram os primeiros ataques terroristas, milhares de nigerianos já foram assassinados e milhões viram-se obrigados a fugir, a deixar as suas casas, as suas aldeias. Só na Diocese de Makurdi há cerca de dois milhões de deslocados. São todos vítimas do Boko Haram. “Querem estabelecer a sua presença para apagar mesmo a presença da vida cristã na Nigéria. Mas isso é mesmo impossível”, garante o Padre Adukwu.
A história “exemplar” de Leah Sharibu
Uma das vítimas da violência jihadista do Boko Haram é Leah Sharibu, a jovem cristã que foi raptada em Fevereiro de 2018 por este temível grupo terrorista, juntamente com mais cerca de uma centena de outras raparigas da Escola Técnica de Ciências em Dapchi, no estado de Yobe, onde estudavam.
Leah tinha apenas 14 anos de idade. Todas as meninas seriam libertadas menos ela, que ficou em cativeiro por ser cristã e recusar a conversão ao Islão, como os terroristas exigiam. A sua história, que a Fundação AIS tem denunciado ao mundo, é olhada com admiração pela comunidade cristã na Nigéria.
“A fé dessa menina, uma criança de 14 anos, é um exemplo para nós”, reconhece o sacerdote espiritano, que lembra outros casos, bem mais recentes, de ataques também a sacerdotes. “Há semanas, o Padre Charles, na diocese de Benin, estava a sair para o trabalho quando foi raptado. No dia seguinte, o seu corpo foi encontrado ao lado da estrada. Um padre bastante novo, ordenado há 10 meses, no ano passado.
Assim… é complicado, é complicado.” E não há apenas a ameaça do Boko Haram. Há também a dos pastores nómadas fulani, cada vez mais agressivos, especialmente contra os agricultores cristãos. E há muitos mais grupos, assegura o Padre Bernard Adukwu. “Há muitos grupos que estão a surgir. Nós mesmos não os conhecemos. Agora está a espalhar. Não é só no Norte, neste momento [é também] no sul do país, é em todo o lado… ninguém sabe. Estão em todo o lado neste momento. Os grupos estão a surgir, e o governo da Nigéria não está a fazer nada para esta situação.”
“O mundo tem de saber…”
As pessoas podem ter medo, mas é preciso não baixar os braços. E é urgente denunciar esta situação ao mundo. É para isso que o Padre Bernard Adukwu vai participar amanhã no lançamento do Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, na Assembleia da República.
“É muito importante avisar a comunidade internacional”, diz, sublinhando o valor do trabalho, da missão da Ajuda à Igreja que Sofre. “Para mim, é uma missão muito importante porque o mundo precisa de saber aquilo que estamos a viver neste momento… o mundo tem de saber.”
E o mundo também precisa de saber que na Nigéria há uma comunidade cristã que é extraordinária, que é exemplar na forma como tem resistido. “Mesmo no meio de provocações, perseguições, a Igreja ainda está cheia e nada se consegue contra a fé do povo nigeriano”, diz o jovem sacerdote à Fundação AIS. E fala disto com orgulho. “Aquilo que nós estamos agora a viver na Nigéria é tal como a palavra de São Paulo: ‘para mim, viver é Cristo e morrer é lucro’. Para mim, viver é Cristo, mesmo na tristeza, viver é em Cristo, na alegria, viver é em Cristo. É isto que estamos a viver neste momento.”