No espaço de apenas três dias, a Igreja da Nigéria foi sobressaltada pela notícia do rapto de dois sacerdotes em duas dioceses distintas. O caso mais recente aconteceu na terça-feira, 20 de Dezembro, na diocese de Kafanchan, no estado de Kaduna, com o sequestro do Padre Sylvester Okechukwu.
Apelando à oração de todos pela libertação rápida do sacerdote, a diocese pede para ninguém tentar “fazer justiça pelas próprias mãos”, assegurando que a Igreja está a “utilizar todos os meios legais para garantir a libertação segura e rápida” do Padre Sylvester.
Dias antes, no sábado, 17 de Dezembro, foi na Diocese de Umuahia, no estado nigeriano de Abia, no sul do país, que outro sacerdote foi raptado. Trata-se do Padre Chrstopher Ogide, que terá sido levado por homens armados, segundo relatos divulgados na imprensa.
A estas duas notícias junta-se ainda a da libertação, também dia 20, de um outro sacerdote, Abraham Kunat, que havia sido raptado no início de Novembro, no dia 8, e também no estado de Kaduna, situado no norte do país.
A agência de notícias Fides, do Vaticano, fala numa “explosão de raptos” na Nigéria, situação que se pode traduzir num “verdadeiro flagelo social”. E não são apenas sacerdotes. Também religiosas são raptadas, como aconteceu em Agosto deste ano, com quatro irmãs da Congregação de Jesus Salvador.
As religiosas foram sequestradas por homens armados na estrada que liga Okigwe a Enugu, quando regressavam à sua comunidade depois de terem participarem numa Eucaristia, e acabariam por ser libertadas ao fim de poucos dias.
A Fundação AIS tem procurado alertar a comunidade internacional para esta situação, dando voz aos responsáveis da Igreja da Nigéria e denunciando estes casos junto da comunicação social.
Exemplo disso, foi a tomada de posição do Bispo Wilfred Chikpa Anagbe, da Diocese de Makurdi, numa sessão no Parlamento Europeu, no passado mês de Outubro, no seguimento de uma viagem organizada pela Fundação AIS que o levou, também, à Alemanha, à sede internacional da Ajuda à Igreja que Sofre.
Em ambas as ocasiões, no Parlamento Europeu e no encontro em Köningstein, o prelado denunciou o que chama de “conspiração do silêncio”. As palavras do Bispo revelam a dimensão da tragédia que se está a abater sobre os cristãos neste país.
De facto, até agora, e só durante o corrente ano, pelo menos duas dezenas de sacerdotes e outros membros da Igreja Católica foram sequestrados e alguns mortos.
Mas 2022 ficou marcado também pelo assassinato, em Maio, de uma jovem cristã protestante, apedrejada até à morte por colegas da universidade por suposta blasfémia, e pelo ataque, em Junho, a uma igreja católica, no domingo de Pentecostes, que resultou em meia centena de mortos.
A brutalidade dos dois crimes levou a Fundação AIS a manifestar o seu choque e repúdio e a reafirmar a sua proximidade para com a martirizada comunidade cristã local.
O presidente executivo internacional da Fundação AIS, Thomas Heine-Geldern, classificou mesmo um dos ataques, o que vitimou a jovem universitária, como “bárbaro”, revelando um “nível de extremismo e violência absolutamente aterradores”.
Foi para divulgar este cenário de enorme insegurança e medo em que se encontra a comunidade cristã, que o Bispo de Makurdi esteve na Europa, tendo denunciado “o desejo de muitos muçulmanos de que a Nigéria se torne uma República Islâmica”.
“A nossa situação é nada menos do que uma ‘Jihad’ vestida com muitos nomes: terrorismo, raptos, pastores assassinos, banditismo, outros grupos de milícias, etc., e que, embora o mundo exterior conheça a extensão das mortes e deslocações em curso das comunidades cristãs na Nigéria, existe aquilo a que chamo uma conspiração do silêncio”, disse D. Wilfred Chikpa Anagbe, tanto na sede da Fundação AIS como, dias mais tarde, no Parlamento Europeu.
Citando números oficiais, o prelado lembrou que, “desde Junho de 2022, o estado de Benue [onde está situada a sua própria diocese] sofreu mais de 200 ataques”, com danos patrimoniais brutais, “e perto de dois milhões de pessoas deslocadas e a viver em campos em todo o estado”.
fez questão de enfatizar que estes ataques, especialmente no estado de Benue, têm uma matriz clara de perseguição religiosa, pois “parecem cada vez mais uma ‘jihad’ contra os Cristãos”.
De facto, a Nigéria tem sido palco de actuação de diversos grupos terroristas de inspiração jihadista, nomeadamente o Boko Haram, havendo sinais de tanto esta organização como outras fazerem parte de uma estrutura mais vasta com fidelidades assumidas ao Daesh, o Estado islâmico, grupo que lançou o terror sobre os cristãos em 2014, quando ocupou vastas áreas do Iraque e da Síria.
“Durante anos, fazer das igrejas e das escolas cristãs o alvo de ataques foi o padrão de terror utilizado, assegurando que a população sentisse o desamparo, a fome e a pobreza, e chegasse ao analfabetismo a médio prazo”, disse ainda o prelado, acrescentando que, “desde 2014 até à data, extensões inteiras da minha diocese foram abandonadas e as actividades pastorais cessaram ou realizam-se sob uma segurança muito rigorosa”.