Uma nova onda de ataques terroristas em Cabo Delgado, principalmente na região de Chiúre, provocou a fuga de milhares de pessoas – cerca de 50 mil, segundo a ONU –, fazendo aumentar ainda mais a já profunda crise humanitária que se verifica na região norte de Moçambique. O Padre Kwiriwi Fonseca, da Diocese de Pemba, alerta, em mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa, que se está a verificar também “o rapto de crianças”, e que é urgente fazer alguma coisa em seu socorro: “Essas crianças devem ser procuradas para serem devolvidas aos seus pais, porque essas crianças merecem sonhar, merecem ter um futuro melhor”.
É mais um alerta da Igreja Católica para a situação extremamente delicada no plano humanitário que se está a viver no norte de Moçambique, em especial na província de Cabo Delgado, por causa dos constantes ataques de grupos terroristas ligados ao Estado Islâmico.
Em mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa, o Padre Kwiriwi Fonseca denuncia que estes ataques estão a gerar uma nova onda de deslocados, de pessoas em fuga, e que se está a verificar também o rapto de crianças pelos terroristas:
Esta guerra sem rumo só mata, mata, mata, e tira a pouca esperança que o povo, principalmente as crianças, tinham. Essas crianças devem ser devolvidas [aos pais], devem ser procuradas onde quer que se encontrem, para serem devolvidas aos seus pais porque essas crianças merecem sonhar, essas crianças merecem ter um futuro melhor.”
Padre Kwiriwi Fonseca
Fonseca, padre passionista da Diocese de Pemba, alerta ainda para o risco de o mundo se esquecer do que está a acontecer em Moçambique, da tragédia provocada pela violência terrorista iniciada em Outubro de 2017, e agravada pelos ciclones que também têm fustigado esta região nos últimos anos, com enorme destruição de habitações, de infraestruturas e de campos agrícolas.
“A crise humanitária provocada por esta guerra, que dura já quase oito anos, tende a ser menosprezada, silenciada. O silêncio incomoda-nos numa altura em que milhares e milhares de irmãos de Cabo Delgado, principalmente [na região] de Chiúre, viram os ataques aumentarem a crise, viram as suas casas a ser queimadas, viram os seus filhos a ser raptados, e eles viram-se [na situação] de deslocados de guerra nas várias partes da província, nas várias partes do país, também em Nampula, que é uma província vizinha”, descreve o sacerdote.
“Estou aqui para poder denunciar veementemente esta guerra que deve acabar, porque Moçambique precisa de paz. Nós queremos a paz, nós queremos a paz…”, repete na mensagem enviada para a Fundação AIS.
NOVOS 100 MIL DESLOCADOS SÓ ESTE ANO
De facto, registou-se uma nova onda de ataques terroristas em Cabo Delgado, especialmente entre os dias 20 a 28 de Julho, e em especial nos distritos de Chiúre, Ancuabe e Muidumbe, embora ainda esta semana, nos dias 6 e 7 de Agosto, por exemplo, se tenham registado incidentes nos distritos de Palma, Meluco e Quissanga.
Os ataques referidos pelo Padre Kwiriwi Fonseca provocaram a fuga a milhares de pessoas e fizeram aumentar ainda mais o número de deslocados em Moçambique. Paola Emerson, chefe do Ocha, o escritório moçambicano das Nações Unidas para a coordenação de Assuntos Humanitários, refere isso mesmo numa publicação da ONU News da passada quarta-feira, 6 de Agosto.
Neste momento, quase 50 mil pessoas foram deslocadas em cerca de uma semana, na sequência de ataques em Chiúre, onde mais de 42 mil pessoas foram deslocadas, mas também em Ancuabe e em Muidumbe. As pessoas que fugiram das suas casas precisam de todo o tipo de ajuda para recuperar dessa situação, isso inclui assistência básica humanitária que vai desde comida, lonas e protecção.
ONU News
A ONU News dá alguns detalhes dos ataques terroristas e que forçaram “os moradores da aldeia de Nanduli a buscar refúgio em Chiote e Ancuabe Sede”. Em Muidumbe, “os grupos armados – pode ler-se também no relatório das Nações Unidas – incendiaram casas na aldeia de Magaia e perto de Mungue. Quase 500 famílias fugiram para locais de deslocamentos próximos, onde o acesso humanitário permanece limitado”.
Por tudo isto, alerta a ONU, e face aos contínuos ataques, só neste ano “cerca de 100 mil pessoas já foram deslocadas e em que há ainda a necessidade de se apoiar mais de 1 milhão de pessoas que precisam desesperadamente de assistência humanitária para sobreviverem”.
“NÃO QUEREMOS A GUERRA, QUEREMOS A PAZ…”
Sinal concreto das consequências da violência terrorista dos grupos armados que assumem a sua ligação ao Daesh, a organização jihadista Estado Islâmico, é o facto de quase 90 escolas estarem encerradas nesta província, afectando quase 50 mil crianças e jovens.
A urgência da ajuda às populações deslocadas é também sublinhada pelo Padre Kwiriwi Fonseca que, na mensagem enviada para Lisboa, faz questão de agradecer toda a solidariedade que os benfeitores da Fundação pontifícia têm manifestado para com a Diocese de Pemba, que procura, nomeadamente através da Cáritas, socorrer esta multidão de vítimas do terror jihadista em Moçambique. “Quero agradecer a todos os benfeitores para que continuem a apoiar a Diocese de Pemba”, diz o sacerdote, sublinhando que o mundo não pode ignorar “o problema da crise humanitária” em Cabo Delgado.
Por favor, continuem a apoiar o povo de Cabo Delgado, continuem apoiando aqueles que estão a lutar pela paz. Nós não queremos a guerra, queremos a paz.”
Padre Kwiriwi Fonseca
A solidariedade dos benfeitores da Ajuda à Igreja que Sofre, que o Padre Kwiriwi Fonseca agradece e solicita, tem permitido levar a Moçambique, mas muito especialmente à Diocese de Pemba, que corresponde à região de Cabo Delgado, diversos projectos de assistência pastoral e de apoio psicossocial às populações vítimas do terrorismo, mas também fornecimento de materiais para a construção de dezenas de casas, centros comunitários e ainda a aquisição de veículos para os missionários que trabalham junto dos centros de reassentamento que abrigam as famílias fugidas da violência.
Desde que começaram os ataques terroristas em Cabo Delgado, em Outubro de 2017, já morreram mais de seis mil pessoas e mais de 1 milhão foram forçadas a fugir, a abandonar as suas casas e tudo o que possuíam.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt