Fome, cólera e guerra. Três palavras que traduzem a situação que se vive em Cabo Delgado em Março de 2021.
O Padre Edegard Silva, missionário brasileiro actualmente em Pemba, depois de a missão católica de Nangololo onde estava colocado ter sido destruída pelos terroristas no final de Outubro do ano passado, afirma que os grupos armados continuam a atacar povoações, nomeadamente em Nangade, e que se agrava a situação humanitária nesta província situada a norte de Moçambique.
O sacerdote descreve à Fundação AIS as condições profundamente débeis em que se encontram os mais de 600 mil deslocados, pessoas que foram forçadas a fugir de suas casas, das suas aldeias e vilas por causa dos ataques violentos que têm vindo a assolar esta região desde Outubro de 2017, ataques que, desde há algum tempo, passaram a ser reivindicados por grupos jihadistas.
A situação de seca que se tem vivido nesta zona norte de Moçambique, aliada ao desenraizamento das populações deslocadas, faz temer uma situação de profunda precariedade alimentar. O Padre Edegard Silva fala mesmo em fome. “Com a seca e a falta de terra e o pessoal sem ter como plantar sobretudo o milho [que é a base da alimentação para mais de 90% da população local], nós estamos já a prever uma grande fome para este ano de 2021.”
Além da fome, continua a ameaça de ataques por parte dos grupos armados. O Padre Edegard destaca o distrito de Nangade como sendo a zona de onde chegam agora mais ecos de violência. São notícias das populações locais que contactam directamente com os padres e missionários que estão em Pemba. “Nós combinámos que cada missionário é que deve socializar [tornar público] as informações da sua região”, explica o sacerdote à Fundação AIS. “Nestes dias, os frades que atendem essa região, receberam a informação de que houve ataques constantes a 10 de Março, ataques que estão a acontecer lá na região de Nangade.”
Além dos “ataques constantes” em Nangade, a região de Cabo Delgado está a registar também casos de cólera e de malária, o que vem agravar uma realidade já de si muito frágil ao nível da prestação de cuidados de saúde. Diz o padre Edegard que têm ocorrido nos últimos tempos “muitos casos de cólera”, mas que a “diocese está atenta a esta realidade”.
O facto de haver milhares de pessoas deslocadas em cidades como Pemba, ou nos chamados locais de reassentamento, pode ajudar à propagação destas doenças. “O sistema de saúde que já era difícil, que não respondia já à demanda do dia-a-dia, agora vê-se diante de uma situação ainda mais agravante que é esta população deslocada ter de procurar o posto de saúde ou o hospital para esses casos mais constantes que são a malária e a cólera…”
Na entrevista à Fundação AIS, o missionário brasileiro falou ainda na forma como se tem vindo a realizar o alojamento das populações que foram forçadas a fugir por causa dos ataques terroristas. E descreve que, muitas vezes, as pessoas que não conseguem alojamento precário junto de familiares ou conhecidos têm apenas uma rede mosquiteira como abrigo.
“Quando essas pessoas se deslocam, tem duas situações: ou vão para junto de familiares ou conhecidos, para aí morarem em pequenas casas e nós presenciamos grupos com 20, 25, 30 pessoas em casas pequenas, ou vão para os assentamentos sobretudo na nossa região no distrito de Metuge.” Em qualquer das circunstâncias são situações muito precárias. Os que ficam em assentamentos têm de providenciar o próprio espaço. O padre descreve abrigos feitos de capim… “Na verdade, o que chamam de casa é uma rede mosquiteira para sobretudo à noite não serem picados. A casa é uma rede mosquiteira…”
A Fundação AIS tem lançado diversas campanhas de apoio ao trabalho desenvolvido na região de Cabo Delgado pela Igreja Católica, e que tem sido crucial no auxílio aos deslocados.
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