MOÇAMBIQUE: Cristãos foram mortos por assumirem a sua fé face aos terroristas, diz responsável da Cáritas

A mais recente vaga de ataques terroristas em Moçambique, provocou “um ambiente de caos” na região de Nacala, e há relato de cristãos assassinados por terem assumido a sua fé perante os extremistas do Estado Islâmico, diz, à Fundação AIS, a responsável da Cáritas diocesana. Várias pessoas “foram interrogadas sobre se eram cristãs e, ao reconhecerem a sua fé, foram decapitadas”. Sinal da preocupação do Papa Leão XIV pela situação em Moçambique, o Cardeal Pietro Parolin visita este país africano de língua portuguesa já a partir desta sexta-feira, dia 5 de Dezembro.

A mais recente onda de ataques terroristas no distrito de Memba, em Moçambique, durante o mês de Novembro, veio aprofundar a crise humanitária com uma nova vaga de milhares de deslocados que fizeram aumentar exponencialmente o número dos que fugiram da violência, abandonando tudo o que tinham.

A responsável da Cáritas de Nacala descreve, em mensagem enviada para a Fundação AIS, um cenário de caos nesta região, situada a sul da província de Cabo Delgado, com pessoas em fuga, por vezes num cenário de desespero, mas também fala em “traumas profundos” e num “sentimento de perseguição religiosa”. É que esses ataques mais recentes, diz Maria Dolores Matinez, provocaram “vítimas mortais e decapitações, muitas delas associadas à fé cristã”.

Na mensagem de voz enviada para Lisboa, a responsável da Cáritas afirma que, “em vários casos, capelas foram queimadas e, segundo testemunhos, algumas das pessoas decapitadas foram interrogadas sobre se eram cristãs e, ao reconhecerem a sua fé, foram agredidas [decapitadas]”, diz. “Para a Igreja local – acrescenta – isto constitui um testemunho muito forte, mas também reactiva o sentimento de perseguição que já se tinha manifestado com o assassinato da Irmã Maria de Coppi Tudo isto, na mesma região, deixa traumas profundos”, conclui.

O assassinato a tiro da Irmã Maria de Coppi, recorde-se, ocorreu num ataque terrorista à missão de Chipene, na Diocese de Nacala, a 6 de Setembro de 2022.

Ataques provocaram caos total

Esta situação terá começado há já algum tempo, mas agravou-se agora no mês de Novembro com “ataques repetidos”, principalmente desde o dia 10, pelos grupos armados que afirmam pertencer ao Estado Islâmico de Moçambique. Na ocasião, o Bispo de Nacala descrevia para a Fundação AIS o que estava a acontecer e falava numa “semana de terror e de muito sofrimento”.

Ao telefone para Lisboa, D. Alberto Vera referia que “numa das aldeias” os terroristas tinham “matado quatro cristãos, e que um deles foi decapitado”, e que as imagens macabras desse crime podiam ser vistas “num vídeo que está a correr por aí”. Agora, passados alguns dias, a responsável da Cáritas diocesana de Nacala acrescenta mais alguma informação. “Os atacantes aparecerem em pontos diferentes e quase em simultâneo”, refere Dolores Martinez. “Durante vários dias, sucederam-se ataques em locais distintos do distrito, sempre na parte norte, criando um caos total e um abandono massivo não só dessas áreas, mas também da zona sul do distrito de Memba.”

A responsável diz que, agora, entre a população deslocada predomina o sentimento de “abandono, incerteza e medo”. E dado o número crescente de pessoas em fuga, fala em “enorme crise humanitária”. É o caso de Alua. “A vila não é grande e, neste momento, acredita-se que a população tenha pelo menos duplicado, considerando que só nos centros de trânsito já se contabilizam cerca de 80 mil pessoas. Ainda não há dados sobre o número de deslocados que estão acolhidos em famílias locais”, refere a líder da Cáritas Diocesana da Diocese de Nacala.

Os recursos governamentais para responder à emergência são muito escassos, e a mobilização de ajuda humanitária está bastante limitada, pois os fluxos de financiamento – tanto de emergência como de desenvolvimento – diminuíram significativamente. As forças disponíveis eram poucas e ninguém previa que a situação se agravasse tão rapidamente. Agora, com a explosão da crise, todos estão a tentar contribuir, mas ainda é insuficiente para cobrir as necessidades existentes.”

Face à dimensão da tragédia humanitária, está a registar-se uma onda de solidariedade por parte das famílias que vivem na região e que têm procurado acolher os que fogem e que estão na mais absoluta miséria. Mas mesmo essa ajuda acarreta riscos. “Hoje, em Nacala, encontramos famílias que acolheram até 19 pessoas nos seus quintais, chegando a viver 37 ou 40 pessoas em espaços extremamente reduzidos. Isso gera situações de conflito, violência e grande ‘stress’. E, como sabemos, as crianças são sempre as principais vítimas desses ambientes de tensão”, explica a responsável da Cáritas de Nacala.

“É preciso dar voz a esta crise…”

Faltam recursos e as necessidades são muitas. Dolores Martinez refere que a alimentação é o mais urgente, mas também fala por exemplo, no acesso a água potável. “A situação torna-se ainda mais perigosa com a chegada das chuvas e o risco de surtos de doenças transmitidas por água contaminada, como a cólera”, explica. “Num grupo tão grande, um surto de cólera pode ser extremamente agressivo.”

A somar a tudo isso, os serviços de saúde locais são precários, faltam medicamentos e profissionais habilitados. “Quando a procura duplica ou triplica, a situação torna-se dramática”, diz ainda a responsável da Igreja, lembrando que, segundo dados oficiais, cerca de 66% desta população é composta por crianças… “Como Cáritas e como Igreja, estamos a tentar responder dentro das nossas capacidades, que reconhecemos não estarem à altura de uma crise desta dimensão. Neste momento, procuramos priorizar sobretudo as crianças, tanto na componente de protecção como no apoio psicossocial e alimentar. Posteriormente, iremos avançar também para o acompanhamento das famílias – não apenas as famílias cristãs que também foram afectadas, mas todas as que chegaram e que, em muitos casos, se encontram em situações muito lamentáveis”, descreve Dolores Martinez à Fundação AIS.

Uma mensagem enviada para Lisboa e que é também um apelo. “O apelo é para dar voz a esta crise: trata-se de um conflito silenciado desde 2017 até agora. A cobertura [noticiosa] continua insuficiente e apenas quando atinge novas proporções se volta a falar dele – agora já envolvendo duas províncias em risco. É preciso divulgar mais, reflectir e procurar soluções para estas populações que são continuamente ameaçadas, forçadas a regressar e novamente obrigadas a fugir, vivendo sempre com medo e deslocamento. Isso impede que estas comunidades sonhem com esperança e apostem no desenvolvimento”, afirma a líder da Cáritas Diocesana de Nacala à Fundação AIS.

Sinal da proximidade do Papa Leão

A violência terrorista e a emergência humanitária que tem provocado não têm escapado ao Papa Leão XIV que por diversas vezes tem referido publicamente a sua preocupação por Moçambique. Sinal disso, o cardeal Pietro Parolin vai estar em Moçambique entre os próximos dias 5 e 10 de Dezembro. Uma visita justificada pelas comemorações do 30º aniversário das Relações Diplomáticas entre a Santa Sé e o Estado Moçambicano.

Segundo a Rádio Encontro, a emissora oficial da Diocese de Nampula, a presença do secretário de Estado do Vaticano – que terá um encontro com o presidente de Moçambique, Daniel Francisco Chapo – evidencia “o empenho da Santa Sé na promoção da paz e da reconciliação nacional”. “A presença do Cardeal Parolin é também um gesto concreto de solidariedade do Papa Leão XIV para com o povo moçambicano, sobretudo com as comunidades afectadas pelo terrorismo em Cabo Delgado. A Igreja vê esta visita como um incentivo à esperança, ao compromisso comum e à defesa da dignidade humana num contexto marcado pela violência e deslocação de milhares de pessoas”, pode ler-se ainda na nota publicada pela Rádio Encontro, da Diocese de Nampula.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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