MOÇAMBIQUE: “Chegou o momento de dizer basta aos ataques terroristas e ao rapto de crianças”, diz sacerdote de Pemba

O Padre Kwiriwi Fonseca tem sido uma das vozes mais activas na denúncia da situação de terror em que se encontra a região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, desde há quase sete anos alvo de grupos armados que reivindicam pertencer à organização jihadista Estado Islâmico. Para o sacerdote da Diocese de Pemba é preciso dar atenção também a um aspecto que tem sido pouco referido: o rapto de raparigas que são usadas como esposas dos terroristas, e de rapazes que são levados e acabam de armas na mão, forçados às vezes até a combater…

“Desde que começou a guerra em Cabo Delgado que temos observado o rapto de crianças, adolescentes, jovens quer do sexo masculino quer do sexo feminino”, diz o Padre Kwiriwi Fonseca em mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa.

Esta denúncia vem dar força à divulgação recente de um relatório da ONG ‘Save the Children’ que aponta para um aumento, em Cabo Delgado e ao longo do ano passado, de 10 % dos casos de raptos e de casamentos forçados de raparigas. Também a ‘Human Right Whatch’ alertou para a utilização de crianças em situações de combate pelos terroristas.

Em Maio, esta ONG, citando diversos testemunhos, refere que foram vistos, entre os combatentes jihadistas, “dezenas de crianças com cintos de munições e espingardas”. Para o sacerdote passionista, tudo isto tem de acabar rapidamente.

Chegou o momento de dizer basta a esses ataques terroristas, ao rapto de crianças, em que se interrompe o seu processo de crescimento, de sonho. Basta esse rapto de meninas sendo usadas e abusadas. Basta! Nós precisamos de resolver este problema do terrorismo e isso é urgente.”

DESTRUIÇÃO DE CAPELAS CRISTÃS

A questão do rapto de menores pelos ‘insurgentes’, como os grupos terroristas também são conhecidos em Moçambique, empresta uma dimensão de maior horror a tudo o que tem vindo a acontecer neste país africano de língua oficial portuguesa. Desde Outubro de 2017 que os ataques se vêm sucedendo, com mais ou menos intensidade, tendo provocado, até hoje, mais de cinco mil mortos e aproximadamente 1 milhão de deslocados.

Além das crianças, também os cristãos têm sido um dos alvos, com igrejas e capelas a serem destruídas, como se verificou recentemente, em Fevereiro, no distrito de Chiúre, numa das mais intensas ofensivas dos terroristas nos últimos meses, em que “todas as capelas cristãs foram destruídas”, como explicou então à Fundação AIS D. António Juliasse, o Bispo de Pemba.

Esta violência contra os cristãos é outro aspecto que o padre Fonseca salienta na mensagem enviada agora para Lisboa. “Daqui a pouco vai fazer sete anos em que o povo vive dia e noite o sofrimento dos ataques terroristas e tem sido assim até nos últimos meses, principalmente desde o início do ano e até Março, em que a Diocese de Pemba perdeu muitas igrejas, que foram destruídas pelos ataques, pelos terroristas. Como sacerdote, digo que isto é preocupante. Não só pela destruição dessas Igrejas mas por esse mal que o terrorismo provoca, a crise humanitária, a insegurança, provocando o medo, o desespero, levando muitas pessoas a perder a esperança de que isto um dia poderá ser resolvido”, disse este sacerdote que durante anos foi responsável pela comunicação da Diocese de Pemba.

ENFRENTAR O TERRORISMO COM DIÁLOGO

Conhecedor profundo da realidade de Cabo Delgado e da violência causada pelos terroristas – “conheci algumas mulheres que foram raptadas para serem usadas como esposas…” –, o Padre Kwiriwi Fonseca diz também que tudo isto exige uma profunda reflexão de todos os agentes políticos, culturais, religiosos e sociais presentes nesta região de Moçambique. E deixa um alerta: “não adianta somente o combate militar”.

Na opinião deste sacerdote, a erradicação do terrorismo exige uma avaliação mais meticulosa da realidade e necessita de diálogo. “Precisamos combater o mal usando várias ferramentas como o diálogo, o encontro, o envolvimento da sociedade civil, dos jovens, que são muito usados, tentar conversar com eles, perceber as razões que levam até muitos deles a aderir a esse grupo militar que está castigando principalmente a província de Cabo Delgado”, diz.

E acrescenta: “Precisamos de perceber o que é que esses terroristas querem, que é que esses terroristas buscam, o que estão a reivindicar exactamente ao assumirem o mal desta guerra, o que é que querem”.

EPISÓDIOS DRAMÁTICOS

Ao longo de todos estes anos, várias comunidades cristãs presentes ao longo de toda a província de Cabo Delgado já foram visadas pelos terroristas. Um dos casos mais dramáticos ocorreu curiosamente um pouco mais a sul desta província, já na Diocese de Nacala.

Foi a 6 de Setembro de 2022. Um grupo armado atacou a missão católica de Chipene e a Irmã Maria de Coppi, uma religiosa italiana de 83 anos de idade, foi assassinada a tiro. Outro episódio particularmente perverso ocorreu dois anos antes, em Abril de 2020, na aldeia de Xitaxi, Distrito de Muidumbe, onde cerca de meia centena de jovens que recusaram aderir às fileiras dos terroristas foram assassinados a tiro. D. Luiz Fernando Lisboa, então Bispo de Pemba, falou deles como “verdadeiros mártires”.

O Padre Fonseca não esquece este episódio revelador da barbárie que as populações de Moçambique enfrentam há tantos anos. E deixa o alerta de que esta violência, estas execuções sumárias de pessoas continuam a ocorrer. O país testemunhou algo que não se deve repetir, que foi esse assassinato de mais de 50 jovens. A Igreja católica já fez muitas memórias, já denunciou, já fez vigílias, rezando por esses jovens que se recusaram a aderir ao terrorismo e [por isso] pagaram com o seu próprio sangue. Este facto chocante tem-se repetido. Tem várias pessoas que também por não concordarem [com os terroristas] acabam também sendo assassinadas”, afirma o sacerdote passionista.

“O MEU AGRADECIMENTO À AIS”

Entre os que têm enfrentado os terroristas estão muitos cristãos empenhados na vida da Igreja Católica. E o padre Fonseca fala deles com admiração. “São animadores, catequistas, homens e mulheres que acreditam em Cristo, acreditam na vida como dom de Deus, e recusam aderir a esse tipo de mal. Eu acredito que esses são mártires a serem celebrados para incentivar os jovens a denunciarem e a recusarem aderir ao grupo terrorista. Não só pela fé mas também como forma de incentivar as pessoas que é possível fugir do mal, recusar o mal.”

Na mensagem enviada para Lisboa, o Padre Fonseca deixa também uma palavra de grande apreço por todo o apoio que desde a primeira hora a Fundação AIS tem dado à Igreja em Cabo Delgado, em Moçambique. “Desde muito cedo tem havido uma parceria muito grande e quero aqui manifestar o meu agradecimento à Ajuda à Igreja que Sofre não só pelas notícias, apresentando ao mundo que Moçambique não deve ser esquecido, que em Cabo Delgado continua o problema dos ataques, que o problema do terrorismo é sério, mas que urge também mobilizar recursos, ajudando a Igreja que tanto precisa neste momento em Cabo Delgado.”

E termina a sua mensagem com um apelo: “não se esqueçam de Cabo Delgado!”.

A fundação pontifícia aprovou recentemente um pacote de ajuda para a Diocese de Pemba que inclui apoio aos deslocados internos, ajuda de subsistência para 60 religiosas e 17 padres, e apoio à formação de 48 seminaristas, bem como projectos relacionados com a assistência espiritual às vítimas do terrorismo e programas de evangelização via rádio.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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