MOÇAMBIQUE: Caritas de Pemba alerta para a falta de alimentos para as vítimas do terrorismo

MOÇAMBIQUE: Caritas de Pemba alerta para a falta de alimentos para as vítimas do terrorismo

“A população vai sofrer”, diz o director da Caritas de Pemba à Fundação AIS. Manuel Nota chama a atenção para a diminuição dos recursos disponíveis para as populações vítimas do terrorismo. “Agora, só temos três projectos e isso não é suficiente para o número de deslocados que Cabo Delgado tem”, lamenta o responsável… Na missão de Ocua, uma missionária portuguesa fala em famílias, com bebés, que comem folhas para enganar a fome…

É uma consequência indirecta da guerra na Ucrânia. Com o mundo de olhos postos no apoio aos ucranianos, outros conflitos passaram para plano secundário e isso está a reflectir-se na ajuda humanitária para milhares de pessoas. A situação em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, é um exemplo trágico desta realidade. Manuel Nota, director da Caritas Diocesana de Pemba, alerta, em declarações à Fundação AIS, que vai ser difícil alimentar todos os deslocados, cerca de 1 milhão, vítimas do terrorismo que assola a região desde 2017 e que estão a viver em campos de reassentamento. “Há dias recebi uma chamada da administradora do [campo de deslocados de] Montepuez, solicitando apoio e alimentos e infelizmente não podemos responder porque efectivamente não temos fundos. Temos vindo a bater às portas dos nossos parceiros, dos doadores, mas os fundos mesmo para emergência tendem a terminar. Então, é um desafio para nós. Estamos cientes de que a população ainda vai sofrer…” Manuel Nota deixa até um alerta para o risco de poder vir a aumentar a criminalidade, em especial nos meios urbanos. “Prevejo que o número de assaltos poderá vir a aumentar não porque as pessoas queiram ou gostem de fazer isso. Quem não tiver nada para comer é um desafio”, diz Manuel Nota, sublinhando que “a Caritas não tem como ultrapassar [esta situação], porque também depende de fundos”.

Dar sementes em vez de alimentos
Com a falta de recursos, que está a afectar profundamente também o Programa Alimentar Mundial, das Nações Unidas, a tendência na Caritas de Pemba é para reduzir o número de projectos e, como consequência, o número de pessoas beneficiadas. “A Caritas reduziu consideravelmente o número de projectos que está a implementar, sobretudo os de emergência, de dois, três meses. Já não temos financiamento. Estamos a implementar projectos de emergência, sim, mas para a construção de abrigos e não de assistência alimentar”, explica Manuel Nota. Também está a ser privilegiado o apoio para a compra de equipamentos agrícolas para que os deslocados, que tenham alguma porção de terreno à sua disposição, possam dedicar-se à agricultura. “Temos de potenciar isso. Dar sementes e instrumentos agrícolas no lugar de dar alimentos, porque o alimento come-se e desaparece…”

“Não é possível atender todos”
A falta de recursos para instituições como a Cáritas está a ter uma repercussão grande no número de deslocados que deixaram de ser apoiados. Em 2021, a organização católica conseguiu prestar apoio, em Pemba, a aproximadamente 120 mil famílias, mas esse número baixou drasticamente no ano passado para apenas cerca de 50 mil pessoas e a situação foi-se “agravando”. “Agora, por exemplo – explica Manuel Nota – “só temos três projectos e isso não é suficiente para o número de deslocados que Cabo Delgado tem. É como se fosse uma gota num oceano, não é? Mas procuramos dar o nosso máximo com os poucos recursos que temos para atender o número de pessoas possível. O nosso desejo era atender a quase todos, mas não é possível, porque nem o próprio Programa Mundial de Alimentação consegue dar cobertura em todos os sítios.”

“Estou com fome…”
Quase em simultâneo à declaração do responsável da Caritas de Pemba à Fundação AIS, Fátima Castro, uma jovem missionária portuguesa de Braga presente na comunidade de Ocua, em Cabo Delgado, colocava nas redes sociais o desabafo de uma mãe que tinha caminhado mais de 70 quilómetros com os quatro filhos para pedir alguma coisa para comer. “Os meus filhos não param de chorar. Têm fome e eu só lhes tenho dado folhas que apanho no campo… não há dinheiro para ir ao mercado. Estamos a ficar doentes…” O relato revela o dramatismo da situação. Fátima Castro acrescenta, no texto, que “há dias que nem folhas há”. “Há dias em que nem um pau de mandioca seca conseguem ter para enganar a fome. Alguns dormem agarrados ao pouquinho que ainda têm com medo se serem roubados. As colheitas são só em Abril.”

O problema da insegurança
A somar-se à falta de recursos, há ainda o problema da insegurança. Apesar de as autoridades procurarem transmitir uma mensagem de que as coisas estão a mudar e que os terroristas representam cada vez uma menor ameaça, a verdade é que os ataques prosseguem. Praticamente dois meses depois de um ataque a duas aldeias cristãs no distrito de Muidumbe, na Província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique – ataque que foi revindicado pelos terroristas do ISIS, o grupo Estado Islâmico –, a região voltou a viver tempos de instabilidade que estão a provocar também novos deslocados, como explicou à Fundação AIS Frei Boaventura, um missionário da Igreja Católica presente na região. Os incidentes têm-se sucedido a ponto de, como relata frei Boaventura, “a população se agitar” face à insegurança crescente. Tudo “estava tranquilo, mas agora começa a mudar novamente o cenário”, diz o missionário na mensagem enviada para Lisboa para a Fundação AIS. Nos últimos incidentes que frei Boaventura relatou, houve “queima de casas e ataque a aldeias”, com bens saqueados pelos terroristas. Num desses ataques foi ferido – acabando por morrer – um funcionário da organização não-governamental Médicos sem Fronteiras [MSF]. O incidente ocorreu dia 4 de Fevereiro, perto da localidade de Mitambo. Num comunicado divulgado após o ataque, a MSF referia estar “alarmada com a violência contínua no norte de Moçambique e os ataques indiscriminados que matam e ferem civis em Cabo Delgado regularmente”.

“Queima de casas, ataques a aldeias”
Frei Boaventura acredita, no entanto, que “as coisas vão melhorar”, mas, para já, os sinais são ainda preocupantes. “As notícias que nos chegam são essas, de ataques na zona norte, ataques por todos os lados e regiões que já foram atacadas [anteriormente] e que são atacadas de novo, mas também em aldeias novas”.
Preocupação que leva o religioso a pedir as orações de todos pelo fim da violência. “Pedimos a Deus possa cessar esses ataques porque só geram deslocados e pessoas que andam de um lado para o outro tentando reconstruir as suas vidas.” Também Manuel Nota fala dos ataques que prosseguem na região, apesar de haver, paralelamente, cada vez mais pessoas a procurar regressar às suas aldeias de origem. “Como Igreja, nós ficamos meio confusos, porque há muita gente regressando e ao mesmo tempo está a haver ataques, então, nós ficamos sem saber se a situação já tende a ficar ultrapassada, ou não”, diz o responsável da Caritas de Pemba. De qualquer forma, é possível perceber que só pensa em regressar quem não viveu situações de grande violência. Para esses, o medo ainda persiste. “Os que estão a regressar são aqueles que não assistiram aos seus familiares sendo mortos, aqueles que tiveram oportunidade de ver, ao vivo, pessoas sendo decapitadas… esses preferem esperar um pouco mais”, diz ainda Manuel Nota à Fundação AIS.

Não esquecer Cabo Delgado
O terrorismo, a fome e a pobreza extrema são uma triste realidade nesta região norte de Moçambique. Fátima Castro, a jovem missionária portuguesa em Ocua, diz que “as causas” para esta realidade são imensas. “A guerra, os ciclones, as inundações ou secas extremas e a cultura de (in)subsistência.” E conclui com um alerta para que o mundo não se esqueça de Cabo Delgado: “Aqui a fome continua a matar… de tantas maneiras… e a deixar a sua marca no rosto e na alma!”

PA | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

Relatório da Liberdade Religiosa

Embora os líderes cristãos e muçulmanos continuem a denunciar a violência e a promover o diálogo inter-religioso, num esforço de deslegitimação do jihadismo, tal será insuficiente se não forem abordadas as desigualdades sociais e económicas subjacentes que afectam os jovens, especialmente nas regiões mais pobres. As perspectivas para a liberdade religiosa continuam a ser desastrosas.

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