A Igreja assinalou, na sexta-feira, 24 de Março, o Dia Missionário dos Mártires. Ao longo do ano passado foram assassinados, pelo menos, 17 sacerdotes e irmãs. Uma delas foi a religiosa italiana Maria de Coppi, morta a tiro em Setembro por terroristas que atacaram a missão de Chipene, em Moçambique. O Bispo de Tete, D. Diamantino Antunes, conhecedor profundo deste caso, assegura, à Fundação AIS, que o heroísmo desta irmã vai ser um dia “reconhecido pela Igreja…”
Na passada sexta-feira, 24 de Março, a Igreja assinalou o Dia Missionário dos Mártires. A data foi lembrada pelo Papa Francisco que, numa breve mensagem publicada na Internet, afirmou que “os mártires são o dom mais precioso que Deus deu à sua Igreja, porque neles se actualiza aquele ‘amor maior’ que Jesus nos mostrou sobre a cruz”. A data coincide e procura perpetuar a memória de São Óscar Romero, assassinado a tiro precisamente no dia 24 de Março de 1980, quando celebrava uma missa em El Salvador. O arcebispo, cujos restos mortais jazem na catedral salvadorenha, foi canonizado em Outubro de 2018 pelo Papa Francisco e é hoje considerado como “santo das américas” e a voz dos últimos e dos oprimidos.
17 padres e irmãs mortos em 2022
Todos os anos, nesta data, são recordados os que os que continuam a derramar o seu sangue pela Igreja. E só no ano passado foram assassinados, segundo dados recolhidos pela Fundação AIS, pelo menos, 17 sacerdotes e religiosas, sinal evidente da perseguição aos cristãos nos dias que correm. A maioria destas mortes violentas ocorreu em África, com destaque para a Nigéria, onde sete padres perderam a vida no desempenho das suas missões ou na consequência de raptos. Quatro, no desempenho das suas missões na Igreja, e mais três que acabariam assassinados após terem sido vítimas também de rapto. Em outros dois países houve também mortes violentas a registar. No México, três padres foram vítimas dos cartéis da droga que têm o país sequestrado pela crueldade e medo, enquanto na parte oriental da República Democrática do Congo dois sacerdotes foram baleados mortalmente também durante o ano passado. Foi também em África que perderam a vida quatro das cinco religiosas assassinadas em 2022. A única excepção foi para o Haiti, onde a Irmã Luisa Dell’Orto foi morta a tiro em Junho. Todos os outros casos ocorreram em países africanos. As Irmãs Mary Daniel Abut e Regina Roba estavam no Sul do Sudão, em Agosto, quando foram mortas; a Irmã Mari de Coppi, foi assassinada na missão de Chipene, em Moçambique, em Setembro; e a Irmã Marie-Sylvie Vakatsuraki foi morta em Outubro, na República Democrática do Congo.
O martírio de Maria de Coppi
De todos estes casos, sobressai o da irmã Maria de Coppi por serem cada vez mais as vozes de altos responsáveis da Igreja de Moçambique admitindo a abertura do processo para a beatificação da religiosa italiana, de 83 anos de idade. Ainda na semana passada, a caminho de Roma, D. Diamantino Antunes esteve na sede da Fundação AIS em Lisboa e admitiu como provável este cenário, apesar de a abertura do processo depender da decisão do bispo diocesano, neste caso D. Alberto Vera, e só depois de ter decorrido um período de cinco anos após a ocorrência dos factos. “Eu penso que [o processo] tem pernas para andar”, disse D. Diamantino, acrescentando que isso será algo de muito positivo para a Igreja. “Eu penso que sim porque no que diz respeito à virtude da caridade, ela foi uma irmã que viveu totalmente, durante 50 anos, para o povo moçambicano, totalmente dedicada ao serviço da evangelização e da promoção humana, e portanto eu penso que sim, que pode ter grandes possibilidades de poder, um dia, o heroísmo, o martírio da irmã Maria de Coppi vir a ser reconhecido pela Igreja.” Para o Bispo de Tete, este processo de beatificação, a ocorrer, será também muito importante para a Igreja de Moçambique, até porque, durante os terríveis anos de guerra civil, foram várias as religiosas que perderam a vida também violentamente. O exemplo da irmã Maria de Coppi será uma forma de nunca se esquecer também as outras histórias de outras irmãs que deram a sua vida também ao serviço da Igreja e dos mais pobres em Moçambique. “Acho que é muito bom porque já temos uma causa de leigos [24 catequistas de Guiúa], uma causa de sacerdotes [dois padres jesuítas, conhecidos como os mártires de Chapotera], e assim, haver uma causa de uma irmã religiosa também será muito importante porque nestes anos, em Moçambique, sobretudo no tempo da guerra civil, houve também várias irmãs que foram assassinadas no desenvolvimento do seu ministério”, afirmou D. Diamantino Antunes, à Fundação AIS.
O ataque à Missão de Chipene
De facto, apesar de o processo para a beatificação da irmã Maria de Coppi só poder avançar cinco anos após a sua morte, ou seja, em 2027, D. Alberto Vera, Bispo de Nacala, a diocese a que pertence Chipene, referiu-se já em Outubro do ano passado, e de forma aberta, a essa possibilidade durante uma conferência organizada pela Fundação AIS Internacional. Na ocasião, D. Alberto lembrou o perfil generoso da irmã, que dedicou mais de cinco décadas da sua vida ao povo moçambicano. “Eu conhecia-a e posso dizer que ela era a imagem de uma mãe, de uma santa. Ela estava realmente a ajudar toda a gente, com amor simples e humilde”, afirmou, acrescentando que se vai abrir “um processo” de forma a se apurar se este é um caso de martírio. Também o Bispo de Pemba, D. António Juliasse, já havia admitido esta possibilidade e também em declarações à Fundação AIS. Para este prelado, os terroristas mataram uma irmã que é agora um símbolo do cristianismo. “A razão da sua morte foi a sua fé e a sua missão”, disse. Questionado se estamos a falar já de uma mártir da Igreja, D. Juliasse respondeu de imediato: “Neste sentido, sim, sem dúvida”.
A Irmã Maria de Coppi, italiana, de 83 anos de idade, foi cruelmente assassinada a tiro na noite de 6 de Setembro de 2022 durante um ataque de homens armados à missão de Chipene, na diocese de Nacala. Durante o ataque, que começou às 21 horas e prolongou-se até às 2 horas da madrugada, foi incendiada e destruída não só a Igreja da missão, assim como a escola, centro de saúde, a casa das religiosas, a biblioteca, o lar dos rapazes e das raparigas e viaturas. “Destruíram tudo”, descreveu na ocasião, o Bispo de Nacala, D. Alberto Vera, à Fundação AIS.
Retrato desolador
Na missão estavam pelo menos mais duas irmãs e dois sacerdotes. Com excepção de uma religiosa espanhola e de uma irmã do Togo, todos os outros eram de nacionalidade italiana e todos conseguiram fugir para as matas juntamente com os jovens que se encontravam na missão católica. “Roubaram o sacrário, vandalizaram parte da sacristia e o sacrário, à procura de qualquer coisa, provavelmente dinheiro”, disse ainda D. Alberto, ao telefone para Lisboa. D. Alberto soube do ataque ainda durante a noite de 6 de Setembro através de uma mensagem de um sacerdote local, o padre Lorenzo, que estava em Chipene. Na mensagem enviada ao Bispo, e a que a Fundação AIS teve acesso, o sacerdote descrevia os momentos angustiantes que se viveram quando os terroristas chegaram à missão. “Fomos assaltados esta noite, partir das 21 horas. A Irmã Maria (de Coppi) foi logo morta com um tiro na cabeça. As outras conseguiram fugir, assim como as últimas meninas que estavam no lar. Todos os rapazes do lar já tinham saído.” O sacerdote informou ainda o Bispo de que procuravam sair de Chipene. A mensagem terminava com um retrato desolador: “Tudo foi queimado e ainda está a arder…”
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