Morreu, baleado na cabeça, no dia 3 de Junho de 2007, um domingo, às mãos do grupo jihadista Alsar Al Suna. Tinha 35 anos. Morreu em Mossul, porque se recusou, como os terroristas exigiam, encerrar a Igreja onde tinha até acabado de celebrar Missa. O padre Ragheed Ganni foi uma das inúmeras vítimas do terrorismo no Iraque. O postulador da sua causa de beatificação, esteve recentemente em Espanha e falou deste sacerdote mártir que se formou graças ao apoio da Fundação AIS…
Em Junho de 2007 ainda não se imaginava que as terras cristãs da Planície de Nínive, no Iraque, iriam ser ocupadas, sete anos mais tarde, pelo Daesh, o grupo terrorista Estado Islâmico, levando à fuga caótica de cerca de 100 mil pessoas. Mas em Junho de 2007 já se sentia fortemente a presença dos jihadistas islâmicos que, de armas na mão, procuravam impor um Islão radical em todo o país.
Era isso que acontecia já em Mossul, uma das principais cidades iraquianas, para onde o padre Ragheed Ganni tinha regressado depois de ter estado uns tempos em Roma, a estudar, com o apoio da Fundação AIS. No dia 3 de Junho de 2007 as ameaças que pairavam no ar concretizaram-se de forma brutal. Ganni, então com 33 anos de idade, tinha acabado de celebrar a Missa da tarde quando foi abordado pelos terroristas.
A história do martírio deste jovem sacerdote católico de rito caldeu foi contada pelo seu postulador, o padre Luís Escaldante, na Catedral de Almudena, em Espanha, no passado mês de Março, no decorrer de uma iniciativa do secretariado local da Fundação AIS. Apesar de todas as ameaças – os terroristas queriam que o padre Ganni fechasse a Igreja – “ele não tinha medo”, explicou o postulador na Noite dos Testemunhos, da AIS.
AJUDAR OS POBRES
Esta é a história não só do assassinato do padre Ragheed Aziz Ganni mas também de três sub-diáconos, Basman Daud, Huahit Isho e Gassan Didawed, que estavam com ele.
Era um Domingo. Ele era o bom pastor daquela comunidade, cada vez mais pequena. Temos uma testemunha ocular do martírio destes quatro mártires: a mulher do subdiácono Huahit, que insistiu em acompanhar o marido porque dizia que os terroristas respeitavam as mulheres. Também ela deveria ter morrido nessa noite."
Padre Luís Escaldante
Mas não morreu. Desmaiou e acordou minutos mais tarde “banhada no sangue do marido, mas sem nenhum ferimento”. O relato prossegue. “Ela viu tudo. Eles, os terroristas, apresentam-se, porque o Padre Ganni lhes pergunta: ‘Quem são vocês?’ Eles apresentam-se: ‘Somos Alsar Al Suna’, que a CIA nos disse, mais tarde, ser um grupo terrorista que se haveria de juntar à Al Qaeda e que estava activo em Mossul.”
Os terroristas queriam que ele fechasse a Igreja, mas o padre Ganni resistia a fazer isso. “Não posso fechar a casa de Deus”, disse aos assassinos. E acrescentou: “Porque tenho de ajudar os pobres”. Foram as suas últimas palavras. “O Padre Ragheed e Basman [que estava ao seu lado] foram baleados na cabeça. Quando conseguimos exumar os seus corpos, vimos claramente que os seus crânios tinham sido destruídos”, relata o postulador da causa de beatificação.
VERDADEIRO MÁRTIR
“Caros irmãos, o Padre Ragheed deu o seu testemunho e os fiéis declararam que o consideravam um verdadeiro mártir de Cristo. O nosso trabalho está terminado, foi apresentado a Roma e esperamos um tempo tranquilo”, concluiu.
O Padre Ganni tinha renovado o seu bilhete de identidade nesse dia porque o bispo lhe tinha pedido para regressar a Roma para terminar o seu doutoramento e também porque o ambiente na cidade estava a tornar-se de dia para dia mais perigoso. Mas “Deus tinha outros planos para essa noite”, disse o padre Luís Escaldante na Catedral de Almudena, em Madrid. “E passou do altar da terra para o altar do Céu”, concluiu.
A história do padre Ragheed Ganni é um exemplo da coragem dos cristãos iraquianos que têm resistido durante anos à violência de grupos extremistas, mas também ao desinteresse das autoridades, à subalternidade com que são vistos na própria sociedade. Uma das balas que atingiu o corpo de Ragheed está guardada pelos seus pais e irmãos na Austrália, onde foram recebidos como refugiados depois de terem fugirem do Iraque, após anos de vida em campos de refugiados na Jordânia. Uma situação – a emigração – que também diz muito do que significa ser cristão no Iraque nos dias de hoje.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt