IRAQUE: Jovem cristã que fugiu do Daesh em 2014 conta a sua história em filme de realizadora portuguesa

Foi há 11 anos. No dia 6 de Agosto de 2014, milhares de cristãos iraquianos que viviam na Planície de Nínive tiveram de fugir face à chegada a qualquer momento a essas terras bíblicas dos terroristas do Daesh, o Estado Islâmico. Entre os cerca de 100 mil cristãos que abandonaram as suas casas, praticamente só com a roupa que traziam vestida, estava Sofia Butrus, uma menina então com apenas 12 anos de idade. A sua história é agora o tema central do documentário “A Sua fidelidade”, da estudante universitária portuguesa Sara Isabel. Uma história que passa também por Portugal e por um encontro com o Papa Francisco durante a JMJ de Lisboa em 2023…

Tinha apenas 12 anos quando soube que precisava de fugir, com a sua família, face à chegada iminente dos jihadistas do Estado Islâmico à aldeia onde vivia no Iraque. Foi em 2014. Fugiram do terror, juntamente com milhares de cristãos. As terras bíblicas da Planície de Nínive esvaziaram-se em sobressalto. Em apenas algumas horas praticamente não restou ninguém. A maioria dos cristãos rumou ao norte do país, às terras do Curdistão iraquiano, à região de Erbil.

O documentário “A Sua fidelidade”, é quase um diário da vida de Sofia desde esse fatídico ano de 2014 quando grande parte do Iraque foi ocupado pelos terroristas do Daesh, o Estado Islâmico. É o diário de uma rapariga que de um dia para o outro vê o seu mundo ruir por completo.

Como ela recorda, em Agosto de 2014, há 11 anos, todas as aldeias cristãs estavam a ser conquistadas e ocupadas pelos jihadistas e a única opção viável era a fuga. E não havia tempo a perder.

Eles iam invadir todas as aldeias cristãs em poucas horas, incluindo aquela em que eu estava. Não levámos nada porque não tínhamos tempo e não sabíamos o que ia acontecer. Só tínhamos os nossos passaportes. Alguns foram apanhados no caminho e raptados, na sua maioria mulheres e crianças. Pela graça de Deus, eu e a minha família escapámos em segurança, mas queimaram a nossa casa e tudo o que possuíamos. Eu tinha 12 anos.”

“BOMBARDEAVAM AS IGREJAS AOS DOMINGOS”

O documentário é uma narrativa dos momentos mais importantes após a fuga do Iraque. A família de Sofia decidiu que o melhor era partirem para a Síria. Fizeram-no através do Líbano, contornando a presença dos jihadistas que já estavam presentes em toda a região. Mas a Síria também estava em guerra. E também lá, tal como no Iraque, os grupos jihadistas procuravam atacar os cristãos, erradicá-los totalmente.

Sofia não diz em que cidade foram viver, mas fala de um ambiente marcado por constantes bombardeamentos, pelo medo. “A nossa vida era basicamente ir à igreja, à escola e voltar para casa, mas em 2015 deixei de ir à escola porque era tão inseguro que eu podia morrer a qualquer momento”, relata Sofia. O tempo em que a família viveu na Síria é certamente das memórias mais fortes desta jovem cristã que viu na fé a âncora que lhe permitiu sobreviver às tempestades que se abateram sobre a sua vida.

“Costumavam bombardear as igrejas todos os domingos porque sabiam que nós, Cristãos, vamos à igreja todos os domingos”, relata. “Assim que ouvíamos o primeiro míssil, sabíamos que mais estavam para vir e a única coisa que podíamos fazer era esconder-nos, assustados e com medo do que poderia acontecer. Um dia fiquei debaixo do sacrário até à noite, enquanto o meu pai estava escondido na sacristia, o sítio menos seguro. As bombas caíam por perto, mas eu, pela graça de Deus, sentia segurança e paz.”

“CAIU UM MÍSSIL ALI MESMO. EXPLODIU TUDO…”

Sofia descreve como a sua vida se transformou por completo durante os anos negros em que viveu na Síria. O medo estava em todo o lado em todo o tempo. “Comecei a andar sempre de chapéu, porque não conseguia olhar para o céu, devido ao trauma e ao medo dos mísseis.” Sofia relata episódios em que sobreviveu miraculosamente a ataques, a bombardeamentos. Como num dia em que se refugiu numa Igreja, com os irmãos.

Entrámos na igreja, mas não tivemos tempo de nos esconder. Eu estava em frente à porta e caiu um míssil ali mesmo. Explodiu tudo. Eu não conseguia ouvir, nem ver nada, não percebia se estava morta ou não, e quando abri os olhos vi fragmentos e vidros partidos à volta do meu corpo, mas sem me tocarem. Sabia que era um milagre porque fisicamente aquilo era impossível e a minha morte era certa. Tinha os meus dois irmãos ao meu lado, mas a poeira era tão densa que não os conseguia ver.”

Foram instantes de pavor, que só terminaram quando Sofia compreendeu que, tal como ela, também os irmãos estavam ilesos. “O milagre que me aconteceu a mim aconteceu-lhes também a eles. Nesse dia, o sacerdote acabou mesmo por celebrar a Missa sob as escadas, para ser mais seguro. Éramos poucas pessoas, os mísseis continuavam a cair, mas foi uma Missa muito bonita.”

DA SÍRIA PARA A ROMÉNIA E DAÍ PARA INGLATERRA

O documentário de Sara Isabel tem apenas 11 minutos, mas é poderoso. Retrata a vida de Sofia e da sua família forçada a fugir de casa, do país, tornados emigrantes à força, requerentes de asilo por causa da brutalidade dos jihadistas do Estado Islâmico.

Estavam ainda na Síria quando um dia o telefone tocou. Era uma boa notícia. Havia lugar para a família em Inglaterra. Mas antes, tiveram ainda de ir para a Roménia, para um campo de refugiados. “Deixaram-nos num quarto pequeno com mais oito pessoas durante 45 dias. Nem sequer podíamos sair. Só nos traziam comida. Além disso, separaram-nos do meu irmão e do meu pai porque não permitiam homens e mulheres juntos, mesmo que fossem da mesma família. Foi horrível”, recorda.

Foi horrível, mas durou pouco tempo. Dali foram finalmente para Inglaterra. O mundo seguia então com algum interesse o infortúnio dos Cristãos e de outras minorias religiosas no Iraque e quando Sofia, os pais e irmãos aterraram em Manchester, a própria imprensa fez notícia disso. “Aparecemos nos média e nas notícias da BBC, e até conhecemos a família real. Mas os meus pais tiveram dificuldade em encontrar trabalho e não havia lá comunidade, por isso mudámo-nos para Londres, porque o meu pai tinha vocação para o sacerdócio e só lá é que há uma igreja caldeia”, explica Sofia.

REGRESSO AO IRAQUE E ACTUAÇÃO NA JMJ

A vida em Londres não foi isenta também de sobressaltos. Com o Covid chegou também a notícia de que tinha sido diagnosticado um cancro ao pai de Sofia. Apesar das fortes restrições que então eram impostas às visitas dos doentes internados nos hospitais, a família pode acompanhá-lo 24 horas por dia, até ao momento “do encontro com Deus no Céu”. Profundamente crente, Sofia vê em todos estes episódios a certeza de que Deus sempre a acompanhou em especial nos momentos mais duros e difíceis da sua vida.

Em 2023, nove anos depois da fuga apressada do Iraque, Sofia conseguiu regressar ao seu país para visitar a família e o que restava da sua casa que tinha sido queimada pelos terroristas em 2014. Durante a sua estadia no Iraque viu o anúncio para uma candidatura para um elenco para uma actuação na Jornada Mundial da Juventude, que iria decorrer em Lisboa nos primeiros dias de Agosto. Sofia concorreu e pouco depois recebeu um e-mail. “Pensei que era uma piada”, diz, mas não. Era mesmo verdade. A sua candidatura tinha sido aceite e Sofia ia fazer parte do Ensemble23, um grupo de jovens artistas de diversas nacionalidades e que tiveram performances de dança, música e representação durante a missa de abertura da JMJ, a vigília e a Missa de envio.

O ENCONTRO COM O PAPA FRANCISCO

E Sofia encontrou-se com o Papa. Foi um encontro emotivo, tão forte que desabou – as palavras são dela – em lágrimas.

“Fomos vistos por católicos em todo o mundo e o nosso espectáculo teve milhões de pessoas a assistir. Pude ser uma mensageira da Palavra de Deus através da minha arte. Fizemos uma Via Sacra com as 14 estações da cruz e, no final, conseguimos sentir que tocámos o coração das pessoas, conseguimos ver a emoção nos seus rostos.”

O Papa olhou para nós e fez sinal para que nos aproximássemos dele, e foi então que me desfiz em lágrimas à sua frente e ele pôs a mão na minha cabeça. Depois de tudo o que eu tinha vivido, a sua mão era mais suave do que qualquer outra coisa neste mundo. A minha confiança em Deus fez-me perceber como Ele tem estado sempre comigo, como me protegeu da morte, da violação, dos tiros, dos raptos e de todas as coisas terríveis que nos faziam a nós, Cristãos.”

O documentário de Sara Isabel termina praticamente na confissão de perdão de Sofia. Ela consegue olhar para trás, consegue recordar tudo o que lhe aconteceu desde o dia 6 de Agosto de 2014, e consegue perdoar. “Todas as pessoas que me magoaram no passado estão perdoadas. O amor de Deus é maior do que qualquer maldade humana. Se Jesus veio ao mundo, morreu na cruz e perdoou, quem sou eu para não perdoar?”, diz Sofia.

DENUNCIAR A PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA

Sara Isabel decidiu fazer este documentário para alertar o mundo para a questão da perseguição aos cristãos e da intolerância religiosa. Na Universidade de Bournemouth pediram um trabalho sobre um caso real e ela pensou logo em avançar com esta história. E destaca a força interior da sua amiga Sofia, que superou tantos momentos duros, tanta violência, tanto ódio e sempre sem uma sombra de vingança.

À Fundação AIS explica isso. “Esta é uma história que me toca bastante, não só por Sofia ser uma amiga próxima, mas também me faz pensar no privilégio que nós temos de poder ir à igreja sem qualquer problema. Porque para algumas pessoas, no caso para a Sofia, isso seria suficiente para ela correr risco de vida. Ela poderia ter alguma mágoa, algum espírito de vingança e, no entanto, simplesmente, perdoou tudo, perdoou as pessoas que lhe fizeram mal. Ela não tem qualquer espírito de vingança e eu consigo sentir, quando ela conta a sua história, os milagres que Deus fez na sua vida”, diz a realizadora do documentário que contou também com a colaboração de Sofia Brutus como produtora.

Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt

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O Iraque permanece numa encruzilhada e as minorias religiosas continuam vulneráveis. Com uma cidadania igual para todos os Iraquianos ainda por implementar, a plena liberdade religiosa não está garantida. As perspectivas de gozo da liberdade religiosa e muitos outros direitos humanos continuam a depender da estabilidade política e de segurança do país. Ambos parecem duvidosos e devem permanecer sob observação.

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