Sem mais reservas de farinha, as Irmãs Carmelitas do Mosteiro de Santa Teresa e São José, em Havana, foram obrigadas a suspender a produção de hóstias. O anúncio, através de uma pequena nota publicada no início do mês de Novembro na página oficial das religiosas no ‘facebook’, é revelador também da profunda crise económica que Cuba está a viver.
Segundo as irmãs, “não há mais hóstias à venda”. As carmelitas explicam que estiveram a trabalhar ainda “com a pouca farinha que restava, mas o que havia de reserva chegou ao fim”. Como se pode ler no texto, as irmãs estão na expectativa de poderem voltar ao trabalho o mais depressa possível, mas não adiantam mais nenhuma informação. “Esperamos e confiamos no Senhor que em breve possamos retomar o trabalho e assim que tivermos o suficiente para distribuir a todas as dioceses, avisaremos…”
A situação é grave para o normal funcionamento da vida religiosa na ilha. Sem farinha não há hóstias e sem hóstias não há comunhão, colocando em risco a celebração das Santas Missas em todo o território, pois as Carmelitas Descalças têm a responsabilidade de produzir e distribuir as hóstias eucarísticas para todas as dioceses locais. No entanto, a falta de farinha de trigo é apenas um exemplo da escassez de bens de primeira necessidade que está a afectar a vida quotidiana de todos os cubanos. Há relatos de falta de leite e carne, assim como, por exemplo, de combustíveis ou medicamentos. Mas também há falta de liberdade.
Eduardo Cardet, coordenador nacional do Movimento Cristão Libertação, citado pela ACI Prensa, descreve um país onde a população faz os possíveis por sobreviver, exigindo, por isso, uma mudança de regime. “Ganha mais forma a cada dia a reivindicação legítima do povo cubano. O que nós realmente precisamos é de uma mudança radical, uma mudança de regime, em que as liberdades e os direitos sejam respeitados”, diz este dirigente à Agência Católica de Informação. Segundo o líder cristão, que vive em Holguín, a população exige liberdade para “acabar com o círculo vicioso de mais miséria, mais repressão, mais incerteza, mais desesperança, e poder recomeçar, poder renascer como uma nação livre e próspera”.
Protestos históricos
Estas palavras dão força às declarações do padre cubano Bladimir Navarro Lorenzo, que em Julho deste ano e em entrevista ao jornalista Josué Villalon, da Fundação AIS de Espanha, descrevia já um país na miséria e que enfrenta uma das mais graves crises a nível social e económico das últimas décadas. Um ano após os protestos históricos que mobilizaram milhões de cidadãos, o sacerdote, que reside actualmente em Madrid, mas que pertence à Arquidiocese cubana de Camagüey, fala de um povo em sofrimento e destaca que a maior pobreza é, apesar de tudo, a falta da liberdade.
“É muito triste ver os idosos a vender o pouco que têm para comprar um pouco de pão. É muito triste ver como muitíssimos cubanos às vezes procuram comida ou coisas nos caixotes do lixo. É muito triste ver que há crianças que não podem beber leite, algo tão básico. É muito triste ver que o povo de Cuba não tem condições para andar limpo. Eu creio que o povo de Cuba está a sobreviver, mais do que a viver. E a pior pobreza, não me canso de o dizer, é a pobreza da falta de liberdade. Continuam a roubar-nos a liberdade. E isso torna o povo de Cuba mais pobre e a ter ainda mais miséria.”
No programa “Perseguidos pero no olvidados”, da Fundação AIS de Espanha, emitido semanalmente na Rádio Maria, o sacerdote destacou também a falta de medicamentos como algo já comum na vida das populações cubanas. “Outra questão urgente é a falta de medicamentos… também está a ser brutal. As pessoas nem conseguem ter paracetamol ou ibuprofeno, que são coisa básicas, para não falar dos antibióticos, das vitaminas…”
A ajuda da Igreja
Face a este retrato de um país empobrecido e quase encarcerado, o Padre Navarro fala do trabalho insubstituível que a Igreja desempenha no apoio às populações que mais sofrem e na importância de haver quem seja ainda voz de esperança. “Há muitas pessoas, religiosas, sacerdotes, bispos e leigos que estão empenhados em acompanhar aqueles que estão a sofrer, encorajando-os e dando-lhes esperança num momento tão triste.” Mas tão importante quanto a ajuda que se pode dar à Igreja cubana é não deixar cair no esquecimento o sofrimento deste povo.
“Sejam a voz daqueles que não têm voz, para divulgar o que se passa em Cuba”, pede o Padre Navarro à Fundação AIS. “Porque depois do dia 11 de Julho, Cuba deixou de aparecer nas notícias. A situação agravou-se muito, não só por causa da guerra na Ucrânia, mas também devido a muitos anos de má gestão. A oração também é essencial. Obviamente, a ajuda material é crucial, através de organizações e fundações como a AIS. Se Deus quiser, a AIS continuará com o seu apoio, para que os cubanos não sintam que estão sozinhos.”
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