Pelo menos nove jovens oriundos da Diocese de Fada N’Gourma estão em formação para o sacerdócio, apesar da situação extremamente difícil que se vive neste país onde a violência do extremismo islâmico se faz sentir com muita intensidade, ameaçando as comunidades cristãs. Para D. Pierre Claver, os seus seminaristas são um sinal de “confiança e esperança”.
Desde o final de 2015 que a região norte do Burquina Fasso está no centro da violência jihadista, com grupos terroristas cada vez mais activos a tal ponto que cerca de dois terços do país escapam já ao controlo das autoridades. A notícia publicada pela Fundação AIS em 3 de Novembro deste ano dá o sinal.
Nas duas semanas anteriores, “diversas paróquias nas dioceses de Nouna e Fada N F’Gourma foram alvo de ataques terroristas, havendo, entre as vítimas, vários catequistas assassinados ou sequestrados”. A situação é tão grave que mereceu mesmo destaque no mais recente Relatório da Fundação AIS sobre a Liberdade Religiosa no Mundo, divulgado em Lisboa a 21 de Outubro.
O ataque à cidade de Rollo, a 8 de Maio de 2023, é dada aí, nesse documento, como exemplo do que tem vindo a acontecer na região. “Seguindo um padrão de violência direccionada no Sahel, os militantes entraram na aldeia, mataram vários residentes aleatoriamente, para incutir medo, e saquearam e queimaram casas, exigindo que todos saíssem antes do anoitecer. Na manhã seguinte, os civis que tentavam recuperar os seus pertences foram mortos ao longo da estrada”, pode ler-se no Relatório.
“A comunidade deslocada — incluindo mulheres, crianças, idosos e líderes da Igreja, como o pároco católico, o Padre Étienne Sawadogo — fugiu a pé durante a noite em direcção a Kongoussi e Séguénéga, a cerca de 40 km de distância. A rota de fuga foi minada pelos agressores. Uma mina explodiu durante a noite, matando animais de criação segundos antes da passagem do grupo. Para muitos, a deslocação significou não só a perda das suas casas, mas também dos seus meios de subsistência, segurança e sentido de identidade”, acrescenta o documento da fundação pontifícia.
Ultimato de 72 horas
Um caso semelhante aconteceu em Débé, no noroeste do Burquina Fasso, em Outubro do mesmo ano.
“Os terroristas deram à população cristã um ultimato de 72 horas para que se retirasse. Antes disso, os militantes mataram dois jovens escuteiros na igreja da aldeia por resistirem às ordens. O Bispo Prosper B. Ky, da Diocese de Dédougou, classificou o acontecimento como sem precedentes, referindo que, ao contrário dos ataques anteriores a comunidades mistas, aquela tinha sido a primeira vez que toda a comunidade cristã foi expulsa unicamente por causa da sua fé”, descreve a AIS no Relatório.
De facto, o Burquina Fasso vive uma escalada de violência jihadista. Os ataques em Rollo e Débé ocorreram em 2023, mas, no ano passado, sinal do agravamento da situação, mais de 1500 pessoas foram mortas, “incluindo civis em igrejas e mesquitas”, e “dezenas de líderes religiosos foram raptados ou executados, e mais de 30 paróquias foram encerradas”, sintetiza o Relatório da AIS.
Viver nas “zonas vermelhas”
Neste contexto, tão duro, ganha destaque a informação de que há ainda jovens que sonham com o sacerdócio no Burquina Fasso. E só na Diocese de Fada N’Gourma estão actualmente em formação nove jovens. Todos eles desejam servir a Igreja no sacerdócio.
Quando D. Pierre Claver Malgo visita os seus fiéis nas extensas paróquias da sua diocese, pedem-lhe sempre que envie mais sacerdotes. Por isso, o prelado diz que haver um tão generoso grupo de jovens que desejam seguir a vida religiosa e que estão prestes a entrar para o seminário maior, deixa-o “cheio de confiança e de esperança”. Mas a diocese é pobre, como toda a comunidade cristã, que cada vez engrossa mais o número já gigantesco de deslocados e refugiados, de pessoas que perderam tudo o que tinham por causa dos ataques terroristas.
Por isso, financiar a formação dos futuros sacerdotes é um grande desafio para os responsáveis da Igreja, porque os pais destes jovens não podem contribuir com nada, além, claro, das suas orações. E depois, algumas destas famílias continuam a viver nas chamadas “zonas vermelhas”, onde a violência é mais intensa e onde os seminaristas nem sequer podem visitar os seus pais.
Mas, na Igreja, ninguém está sozinho. “Uma vocação é sempre uma graça de Deus e obra da Igreja no seu conjunto”, diz o prelado.
As lágrimas de Tankoano
Um pouco mais velho do que os nove seminaristas, Christian Tankoano já concluiu os estudos e já foi ordenado sacerdote. Foi há três anos. Ele recorda o dia da sua ordenação, que teve sentimentos mistos. A alegria misturou-se com a dor, pois os seus pais não puderam participar da celebração porque os terroristas tinham bloqueado as estradas. E isso foi muito duro para Christian. “Aceitei pela fé, mas, como ser humano, senti-me apunhalado no coração”, diz-nos, recordando que durante grande parte da cerimónia esteve com “lágrimas nos olhos”.
No entanto, assegura que o mais importante é a possibilidade de “poder servir o povo de Deus”. Um desejo que é comungado também pelos nove jovens seminaristas. Pascal, Ulrich, Geoffroy, Lucien, François, Thierry, Irenée, Vincent e Leopoldo, que serão sacerdotes daqui a uns anos. Todos eles têm coragem e fé. Num país marcado pela violência jihadista, estes nove jovens são, seguramente, como diz o Bispo de Fada N’Gourma, um sinal de “confiança e esperança”.
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS | info@fundacao-ais.pt







